Quando eu estava provavelmente na sexta série e estudava no Colégio Marista de Londrina, considerado da elite e cristão, me lembro claramente do dia em que um colega de classe levou uma arma para a escola. Ele entrou normalmente na sala, colocou o material sob a carteira e, ao lado dos livros, um revólver. Lembro dele empunhando discretamente a arma próximo ao colo para mostrar para quem estava em volta. A imagem me deixou assombrada. Ninguém avisou a professora o porquê – bom, sabe como são os pré-adolescentes. Aquele rush de sabermos que víamos algo proibido deixou todo mundo em silêncio. Para mim, foi tão marcante que é uma das poucas lembranças que tenho da infância.
Meu irmão Henrique ganhou uma espingarda de pressão quando tinha uns 14 anos, acho. Tinha muito cuidado com ela. Um dia, atirou em mim por acidente. Pegou na perna (vários “imagina se pega no olho” foram ouvidos nesse dia). Que susto! Fui para o hospital, mas não foi nada grave. Nem removeram o chumbinho e eu o tenho até hoje. O coitado pediu mil desculpas e tomou a maior bronca. Até eu tive pena. A partir daquele momento, a espingarda estava proibida em casa e foi levada para a chácara. A molecada usava para atirar em latinhas vazias feitas de alvo. Um dia, mataram um passarinho com ela e meu irmão chorou copiosamente. A espingarda foi aposentada para sempre.
Não gosto de arma, nunca gostei. Não entendo o fascínio. Mas também nunca me interessei por carro, então, o que sei eu da vida e dessas extensões da masculinidade?
Talvez meu medo de arma seja pelo tiro que meu pai levou na mão quando éramos crianças. Lembro dele muito tempo com a mão enfaixada e, depois, do buraquinho cicatrizando. Na época, a história que nos contaram é que ele tinha reagido a um assalto. Depois, adultos, soubemos que foi uma discussão, uma briga por ciúme, e o outro rapaz estava armado. Ou seja, podia ter dado uma merda muito maior por um motivo muito mais idiota.
Meu pai tinha uma arma em casa. Nunca serviu para nada, nunca nos sentimos mais seguros por causa dela. Muito pelo contrário. Eu morria de medo daquele troço. Eu nunca soube exatamente as circunstâncias ou motivos para ele ter comprado uma e, também, nunca o vi usando. Mas a ideia me apavorava. Por que raios meu pai precisava de uma arma? Será que ele comprou depois de ter levado o tiro? Meu pai era jornalista e viajava muito… Será que ele levava a arma nas viagens? Será que se sentia mais tranquilo com ela no carro?
Não sei. Só sei que um dos maiores alívios da minha vida foi quando ele se livrou dela na campanha pelo desarmamento.
Essas são as minhas histórias com armas e certamente são bem leves perto do que tem por aí. Todo mundo tem uma história. Ou conhece alguém que se deu mal por causa de arma.
Não vou discutir com otário que defende essa liberação. Nunca vão me convencer. O problema é que muito inocente vai se ferrar ainda. Muito inocente vai morrer por nada. Por briga de trânsito, porque mexeu com a mulher do outro, porque não soube “com quem está falando”. Muito moleque vai achar a arma do pai dando mole e vai mostrar para os amigos para botar banca. Muito irmão vai matar irmão por engano. Sim, eu sei que isso já acontece. Mas vai acontecer muito mais.
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