Apesar da sua evidente necessidade e urgência, não se fala mais de uma reforma política – no máximo em uma reforma eleitoral que, no entanto, estacionou no Senado. Discute-se o fim da reeleição do Poder Executivo e a coincidência de mandatos, com 5 anos de mandato para os cargos do Executivo, deputados e vereadores, e (pasmem) 10 anos para senador.
A proposta retira a legitimidade da reeleição, dando nesses longos mandatos, com um argumento que não se sustenta: uso da máquina administrativa e antecipação da disputa eleitoral. Mas, pela experiência, sabemos que os executivos usam e abusam da máquina para eleger seus sucessores. É, no fundo, um argumento pueril. A reeleição provou ser necessária para a continuidade, não apenas administrativa, como também de projetos e programas de governo.
Nosso verdadeiro problema está no sistema de escolha de parlamentares. Temos a exigência de filiação partidária e voto de legenda, mas não temos fidelidade partidária. Votamos em um candidato dentro de um partido, o chamado voto uninominal, num modelo que, dessa forma, só existe no Brasil. Isso significa que cada candidato é uma campanha, cada vez mais cara, e ele disputa as vagas do partido com os demais candidatos ou candidatas da sua própria legenda. Trata-se de um sistema absurdo, sem lógica e de custo elevadíssimo.
Em todo o mundo predominam três sistemas: o voto em lista, aberta ou fechada, como em Portugal e na Argentina; o voto distrital puro, como nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha; e o misto, no qual metade é eleito pela lista e metade pelo distrito, caso da Alemanha.
Deveríamos fazer uma reforma política e implantar o voto em lista com fidelidade partidária. Assim, candidatos e candidatas não seriam indicados pelas direções dos partidos, mas escolhidos em eleições diretas pelos filiados, com fiscalização da Justiça Eleitoral e voto em urna eletrônica. O principal argumento dos que se opõem à lista é que as cúpulas partidárias e as burocracias escolheriam os candidatos, como se isso, salvo poucas exceções, já não fosse uma realidade.
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(Foto: Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado)
A cada dia estamos assistindo os partidos crescerem e adotarem programas. No Parlamento, as votações expressam diferentes visões sobre o país e seus problemas, a vida e o mundo. Há um processo de diminuição do número de partidos com votos suficientes para alcançar a cláusula de barreira. O voto em lista consolidaria esse processo e daria ao eleitor o direito de escolher uma bancada que expresse sua visão política e seus interesses, sejam econômicos ou de outra natureza.
O voto em lista levará milhões de cidadãos a se filiarem aos partidos, convocados pelos prováveis candidatos, mas para consolidar nossa democracia precisamos mudar o critério de divisão dos 513 deputados federais – hoje os Estados contam com um mínimo de 8 e o máximo de 70, uma anomalia que, herança da ditadura, só existe no Brasil.
Se a Câmara dos Deputados representa a nação, e o Senado Federal os Estados, o critério tem de ser o eleitorado e/ou a população de cada Estado, já que o mínimo de 8 deforma toda a representação. Hoje há oito Estados com 64 deputados, representando cerca de 16 milhões de eleitores. São Paulo tem 70 deputados representando 34,6 milhões de eleitores. Se adotado o modelo proporcional ao eleitorado e/ou à população, alguns Estados perderiam deputados. Considerado o eleitorado de 2022, Rondônia, hoje com 8 deputados, ficaria com a metade. Roraima, Acre e Amapá teriam 1 deputado cada. Amazonas manteria os atuais 8 deputados. Rio Grande do Norte e Mato Grosso ficariam com 6 cada, o Distrito Federal com 7, Tocantins com 3 e Sergipe com 5. São Paulo iria a 114 deputados, Minas Gerais ficaria com os 53 que tem hoje, o Ceará com os 22 e a Bahia, hoje com 37, teria 39 deputados.
Não cabe o argumento de que os Estados menos populosos ficariam sub-representados, já que, no Senado, cada Estado da Federação, não importando sua população, elege 3 senadores. Basta ler a Constituição para saber que o Senado é a Câmara Alta e, na prática, tem mais poderes do que a Câmara dos Deputados.
Com o voto em lista e uma mudança legítima na representação na Câmara dos Deputados, as eleições ficariam muito mais baratas e o voto mais político, orientado aos partidos e por programas, dando expressão legal a uma tendência das eleições majoritárias que não chegou ainda à eleição parlamentar por causa da infidelidade partidária e do voto uninominal. Uma jabuticaba brasileira.
(*) José Dirceu foi ministro-chefe da Casa Civil no primeiro governo Lula (2003-2005), presidente nacional do Partido dos Trabalhadores e deputado federal por São Paulo.