Aqueles que, ao longo da história, assumiram compromissos com a necessidade de mudanças estruturais na sociedade, fizeram-no sabendo que isso só seria possível por meio de processos revolucionários. A “Revolução”, nesse sentido, significou mudanças sociais e políticas fundamentais na sociedade que, eventualmente, poderiam prescindir de rastros de violência. Estas mudanças, cuja razão principal sempre esteve associada aos problemas da desigualdade, incluíram modificações na estrutura de poder.
Aristóteles (Livro VIII de A Política de Aristóteles), por exemplo, dizia que a desigualdade e as contradições inerentes a ela só poderiam ser resolvidas através de revoluções políticas que terminassem com uma mudança na Constituição vigente, uma modificação radical da existente, ou uma mudança de regime e sistema político. Para Lenin (O Estado e a Revolução) a ação de massas é a medula espinhal de um processo revolucionário que procura mudar as estruturas sociais e políticas anteriores. Até a data, embora muito tenha sido escrito sobre o assunto, o termo revolução continua gerando debates acalorados, especialmente quando o neoliberalismo o tornou banal, aplicável a qualquer processo evolutivo em tempos normais.
A hegemonia do neoliberalismo acabou por privatizar, deformar e dinamitar o conceito original da palavra “Revolução”. Qualquer mudança tecnológica tornou-se, através da “magia” da publicidade, um “processo revolucionário” muito distante dos processos revolucionários que questionavam o capitalismo e, agora, o neoliberalismo. Não foi por acaso aquela frase de Marx: “As revoluções são as locomotivas da história” (“As lutas de classes na França de 1848-1850”, 1850), mas que, reconhecendo o acontecimento tecnológico que pôs em operação as ferrovias, mostrou a formidável força e energia dos processos revolucionários nas mudanças sociais e políticas registradas na história.
Atualmente a palavra “revolução” é usada para descrever tudo o que, com algum significado histórico, aparece no mundo. Não é mais um termo reservado para descrever mudanças sociais e políticas substanciais na sociedade. Hoje, a palavra “revolução” é usada por publicitários e “criativos” dedicados, consciente ou inconscientemente, minando o conceito de “revolução” ou banalizando a extremos irreconhecíveis. Cada mudança no modelo do iPhone ou em um novo computador é, para esses anunciantes e criativos, uma “revolução”. Se isto for clarificado, é previsível que o conteúdo revolucionário da “Revolução” perderá sentido, será deformado, diluído e convertido em definições de processos econômicos e sociais como a “revolução industrial”, a “revolução sexual”, etc, que a burguesia repete e amplifica com entusiasmo.
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A hegemonia do neoliberalismo acabou por privatizar e deformar o conceito original da palavra 'Revolução'
O que foi dito acima não significa a ausência de processos de mudanças estruturais em nossos tempos com conteúdo revolucionário. Houve sim, significativamente. Por exemplo, a revolução cultural na China (1968), a “Primavera Árabe” (2010-2012), a revolução islâmica no Irã (1979), entre outras. Em todas elas ocorreram manifestações populares, levantes e rebeliões armadas que deram conta a luta pela democracia e pelos direitos.
A história das revoluções dos séculos XX e XXI tem a sua maior referência na Revolução de Outubro (1917). Não só deixou a sua marca na face do planeta, mas introduziu mudanças na forma de pensar a Revolução. Deixou de ser um processo “nacional” para se tornar um fenômeno político internacional que promoveu a revolução mundial com um partido e estratégias que incluíam aspectos de doutrinação militar. Tornou-se um paradigma de vários processos revolucionários no mundo. Foi o caso da Nicarágua (1979), da Guerra Civil Espanhola (1936-1939), da Revolução Chinesa (1949), da Revolução Vietnamita contra o colonialismo francês (1945) e da Revolução Cubana (1959), que se tornou, por sua vez, paradigma dos movimentos populares e partidos de esquerda na América Latina.
Houve também movimentos sociais e políticos que impactaram a organização social do Ocidente. Da mais devastadora violência branca contra os negros nos EUA (Tulsa Oklahoma, 1921) aos protestos sociais na Grécia (2015), Espanha (1978 e seguintes), ou aos repetidos movimentos sociais em França que recentemente se levantaram contra a reforma das pensões. Todos eles tiveram repercussões transcendentais no sistema político e social do Ocidente, passando a ser considerados germes de processos revolucionários devido ao seu claro questionamento da ordem estabelecida. É um sinal claro de que a revolução não é uma questão do passado. Basta saber qual é o momento da sua eclosão e essa é a tarefa de um líder político.
Quando uma sociedade evolui “normalmente”, as mudanças são imperceptíveis. Mas na presença de forças disruptivas, as mudanças adquirem significado e complexidade no campo social e político. Processos que foram amadurecendo até romper os atuais muros de contenção econômica e política são reativados e dinamizados, resolvendo contradições derivadas do desenvolvimento das forças produtivas e das relações sociais de produção. Este é um processo revolucionário, cujo desenvolvimento e resultado têm como ator e protagonista principal as massas, o povo organizado.
As massas, com os seus escalões de liderança revolucionária, deixam para trás a atitude silenciosa e recuada derivada da dominação da burguesia e das suas mais diversas expressões políticas que têm o poder do Estado sob total controle. Quando chegar a hora, as massas passarão a agir assim que sentirem que os seus interesses estão refletidos na liderança política, nos slogans, nas táticas e na estratégia.
(*) Nilo Meza é economista e cientista político peruano.
(*) Tradução Rocio Paik.