Um trio elétrico se move pelas ruas da cidade, mas quem está montado em cima dele não é Cláudia Leitte ou Ivete Sangalo. Axé, alegria e euforia tampouco são os motes principais dos artistas lá em cima. “Está frio, e o inferno rodeia você por todos lados”, proclama a letra não muito carnavalesca.
No entanto, é de carnaval, sim, que estamos falando. A banda nova-iorquina Scissor Sisters é quem comanda a massa, enquanto o caminhão de som corre pela noite movimentada – Night Work é o nome de seu novo disco, de onde sai a música do videoclipe em questão, Fire with Fire.
O grupo virou sensação na virada de 2003 para 2004, ao reinterpretar o rock progressivo Comfortably Numb, do Pink Floyd, em ritmo de discotheque e com vozes tipo Bee Gees na trilha d’Os Embalos de Sábado à Noite. Ironia fina e genética vira-latas eram as pedras que atritavam uma fagulha genial.
Electro era o nome do carnaval soturno que à época contagiava as tribos dançantes “modernas”, e ao qual a(o)s Scissor Sisters se adaptavam ao inventar sua re-Comfortably Numb. Fire with Fire é menos sofisticada, mas não foge muito à fórmula: impura e feita para dançar só no sapatinho, devagar-devagarinho, faz lembrar algum rock antiquado de Peter Frampton nos anos 70.
Entre os melhores trunfos do(a)s SS, está o de abordar sem preconceitos nem constrangimentos as camadas mais cafonas do pop de décadas passadas – aí cabem de Peter Frampton a Abba e de Elton John a Kylie Minogue, com parada obrigatória no funk adocicado batizado disco music na segunda metade dos anos 70. Não à toa, Whole New Way, uma outra faixa de Night Work, começa como um arremedo contagiante de Just an Illusion, um disco-funk arrasa-quarteirão levado às paradas de sucesso em 1982 pelo grupo black Imagination.
Leia também:
M.I.A.:Em
guerra pela paz?
Christina
Aguilera, do Clube do Mickey ao Clube Militar
Novo CD do LCD Soundsystem ataca fãs e heróis do espaço pop
Erykah Badu, porque a cor da pele ainda faz diferença no país de Michael Jackson e Hillary Clinton
Do electro, restou o esqueleto – ou a maquiagem. Na parte inicial do clipe, fechado em closes dos rostos dos músicos, a vocalista Ana Mantronic aparece com maquiagem dark pesada, à moda do electro de Peaches – mas muito aparentada, também, dos góticos e “new romantics” dos anos 80. O vocalista masculino principal, Jake Shears, surge andrógino, tipo os rapazes electro do Fischerspooner – mas lembrando de perto o velho glam rock de David Bowie.
Essa tem sido a cara pop destes anos 2000: colheradas de anos 70, xícaras de anos 80, pitadas de anos 90, tudo remexido, remendado e recombinado. No caso de uma banda dance-disco-eletrônica com forte apelo junto ao eleitorado pansexual da “night life” (nome de outra faixa do CD), reagrupam-se o vampirismo dos 70 (Bowie, Queen, Iggy Pop, Blondie), dos 80 (New Order, Pet Shop Boys, Prince), dos 90 (house music, Madonna, George Michael e Kylie em fase sexy), e assim por diante. O carnaval do dito Primeiro Mundo, bastante apreciado pelos “modernos” de cá (os mesmos que adoram odiar axé, samba & MPBs), é feito para a massa dançar, mas de preferência cabisbaixa, robótica, um tanto melancólica.
Fire with Fire, o clipe, guarda um detalhe curioso. A passagem das Irmãs-Tesoura pelas ruas atrai alguma atenção, faz um ou outro pedestre parar para tirar uma foto no celular. Mas ninguém dança com Fire with Fire, muito menos se anima a sair atrás do trio dark-eléctrico da trupe. O nosso carnaval pode parecer exótico, mas… o deles também parece.
Siga o Opera Mundi no Twitter
NULL
NULL
NULL