O candidato fascista adora a palavra “família”.
Vamos então falar de família. A minha, por exemplo.
Em março de 1973, quando eu tinha 16 anos de idade, minha
mãe, a artista plástica Marlene Crespo, foi presa pelo aparato de repressão
política da ditadura militar. Ela era militante de base do PCdoB. Na prática,
participava de reuniões onde se discutia política. Nada mais do que isso.
Minha mãe morava em São Paulo, mas foi presa em Campos dos
Goytacazes, no estado do Rio de Janeiro, para onde viajava com frequência, para
receber o aluguel de um imóvel que meu avô deixou de herança.
Soubemos da prisão pelo inquilino, que telefonou para o meu
tio-avô, em São Paulo, Ficamos cinco dias sem saber do paradeiro dela, rodando
a cidade, junto com o meu pai, de quem ela já estava separada: do
quartel-general do II Exército para o Dops, de lá para o DEIC, a polícia civil,
no Parque Dom Pedro II.
Não sabíamos se ela estava viva ou morta. Um delegado do
DEIC disse ao meu pai, eu estava junto e ouvi: “Se for prisão legal, ela
deve estar no Dops, se não…”
Finalmente, depois de muitas negativas, o soldado que estava
de plantão no DOI-Codi, o famoso centro de torturas na rua Tomás Carvalhal,
admitiu indiretamente que ela estava lá.
Conforme o advogado nos explicou, havia uma espécie de
código entre o aparelho de repressão e os familiares dos presos. Nos primeiros
dias, nós levamos ao DOI-Codi uma cestinha com cigarro, chocolate e biscoitos
para a Marlene. O guarda nos mandava embora com nossas coisas, dizendo que lá
não tinha ninguém com o nome dela. No quinto dia da prisão, o guarda disse:
“Ela não está aqui, mas, se vocês quiserem, podem deixar aqui essa
cestinha.” Era uma maneira de dizer que ela estava lá, e viva, sem o
compromisso de admitir a prisão e se responsabilizar pela sua vida.
Por aqueles dias, nosso advogado, Idibal Piveta, também foi
preso, e o caso foi passado para o seu sócio Airton Soares, que mais tarde foi
eleito deputado federal pelo MDB e mais adiante se tornou um dos fundadores do
PT. Imaginem: se até o advogado encarregado de defender a minha mãe tinha sido
preso, o que se podia imaginar que iria acontecer com ela?
Nós éramos três filhos, eu (o mais velho), o Carlos e o
Bruno Fuser. Todas as manhãs, um de nós ia de táxi até o DOI-Codi, levando a
famosa cesta de presentes e acompanhado sempre da minha avó, Ivete, já idosa.
Minha avó, que sempre tinha sido uma pessoa de direita, anticomunista, leitora
de Seleções do Readers’ Digest e frequentadora de uma paróquia católica
especialmente reacionária, ficou contra a ditadura ao ver o que estavam fazendo
com sua filha.
Éramos três meninos, angustiados sem saber da verdadeira
situação da mãe, refém de um organismo estatal que não existia oficialmente, e
que nem sequer reconhecia que a tinha sob sua custódia. Essa era a nossa
família, de verdade, não essa fantasia a que se referem o Bolsonaro e os falsos
cristãos, moralistas hipócritas.
Enquanto nós percorríamos a via-sacra em busca de notícias,
minha mãe estava sendo torturada. Queriam que ela delatasse seus companheiros,
coisa que ela não fez. Anos depois, quando eu era candidato à diretoria da
União Estadual dos Estudantes, um aluno da Faculdade de Direito do Largo de São
Francisco (USP), um daqueles estudantes “mais velhos”, de barba
branca, me abordou e disse: “Você não me conhece, mas eu sei quem você é.
Escapei de ser preso porque a tua mãe não me entregou pra repressão. Mande um
abraço pra ela”. Disse isso e falou o nome. Quando relatei o episódio,
minha mãe se emocionou e confirmou tudo.
Pois a minha mãe, Marlene, foi torturada por uma equipe sob
o comando do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, aquele que o deputado Jair
Bolsonaro homenageou ao votar pelo impeachment da presidenta Dilma Rousseff.
Minha mãe viu esse facínora, o Ustra, quando estava no DOI-Codi, ele sempre na
atitude daquele que manda.
Por conta das torturas, minha mãe foi internada no Hospital
das Clínicas de São Paulo. Mas não delatou ninguém, nem mesmo confessou sua
condição de militante. Por conta disso, escapou de ser processada e acabou
sendo libertada, depois de passar, no total, três semanas no DOI-Codi,
incomunicável, e outras cinco semanas no DOPS, onde já podíamos visitá-la.
Minha mãe saiu da prisão e seguiu a vida, voltou ao seu
emprego de revisora na Editora Nacional e passou a desenhar mais e melhor do
que antes. Mas as marcas da prisão e da tortura — na alma, não no corpo —
permanecem até hoje.
Aos 86 anos, ela está finalizando o livro “Desenhos da
Resistência”, com sua produção gráfica nos tempos da ditadura. O livro
está sendo produzido pela Editora Expressão Popular e o lançamento está
programado para o início de novembro. Se ainda existir Brasil até lá.
Família…
Bolsonaro, fascista de m…, defensor das torturas, cínico e
mau caráter, eu sei muito bem o que é família, e tenho muito orgulho da minha.
Todos nós, meu pai, minha mãe Marlene, todos os seus filhos
e netos e noras, votaremos no Haddad, pra derrotar você, seu fdp!
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