O bairro negro de Greenwood, na cidade de Tulsa, Oklahoma, é destruído e incendiado por uma multidão de brancos. Há 103 anos, em 31 de maio de 1921, tinha início o Massacre de Tulsa, um dos piores episódios de violência racial na história dos Estados Unidos. O massacre deixou centenas de mortos e devastou uma das mais prósperas comunidades negras do país.
Após o fim da Guerra de Secessão, o estado de Oklahoma testemunhou o incremento das tensões raciais. A região nordeste do estado recebeu um grande influxo de ex-confederados, ainda relutantes em aceitar o fim da escravidão, contribuindo para a ascensão das ideias supremacistas. Desde o fim do século 19, linchamentos de negros eram relativamente comuns. A implementação das Leis de Jim Crow oficializou a segregação racial como política de Estado, submetendo a população afro-americana à condição de cidadãos de segunda classe, proibindo-os de frequentar os mesmos espaços que os brancos. O ambiente de intolerância racial ajudou a fomentar o crescimento da Ku Klux Klan (KKK), que se expandiu no estado a partir de 1915.
Paradoxalmente, Oklahoma também serviu de berço a uma das comunidades negras mais promissoras dos Estados Unidos. Loteado em 1906 pelo empresário afro-americano O. W. Gurley, o bairro de Greenwood, na cidade de Tulsa, havia se beneficiado enormemente da descoberta de poços de petróleo na região. Separada dos bairros brancos pelos trilhos ferroviários, a comunidade prosperou em ritmo acelerado, impulsionando a formação de uma pujante classe média negra, composta por profissionais liberais, comerciantes e pequenos empresários. O centro comercial de Greenwood era tão vibrante que recebeu o apelido de “Black Wall Street”. O bairro possuía hotéis, restaurantes, cinemas, salões de beleza, barbearias e até mesmo o seu próprio jornal — todos pertencentes a proprietários negros.
A prosperidade econômica de Greenwood incomodava enormemente a população branca de Tulsa. A ideia de negros vivendo em casas confortáveis, conduzindo seus próprios veículos e administrando seus próprios comércios desafiava as concepções entranhadas de superioridade racial, despertando rancor, frustração e abalando o senso de privilégio dos brancos. O retorno dos soldados norte-americanos após o fim da Primeira Guerra Mundial ampliou as tensões, gerando forte competição por vagas de emprego e desencadeando a onda de conflitos raciais intitulada “Verão Vermelho”.
Em Tulsa, os conflitos raciais atingiriam seu ápice após a prisão de Dick Rowland, um engraxate negro de 21 anos de idade. No dia 30 de maio de 1921, Rowland se dirigiu ao Edifício Drexel — único prédio no centro de Tulsa onde havia um banheiro cujo uso era permitido aos negros. Ao ingressar no elevador, Rowland teria se desequilibrado e segurado por reflexo o braço de Sarah Page, uma jovem branca de 17 anos que trabalhava como ascensorista do edifício. Sarah imediatamente começou a gritar, alegando ter sido atacada, e Rowland, assustado, fugiu. Rowland foi preso no dia seguinte. O burburinho de que um negro teria atacado uma jovem branca logo se espalhou pela cidade. O jornal Tulsa Tribune noticiou o ocorrido como uma tentativa de estupro e publicou um editorial intitulado “Negro será linchado essa noite”.
Gostou do conteúdo? Acesse o link e leia mais da Pensar a História
A notícia insuflou os ânimos na cidade. Quando Rowland foi conduzido à sua audiência inicial, um grupo de brancos se dirigiu até a entrada do tribunal, exigindo aos gritos que o jovem fosse entregue para ser linchado.
O xerife Willard McCullough tentou dispersar os manifestantes, mas foi ignorado. Determinado a impedir o linchamento de Rowland, um grupo de 30 membros da comunidade negra, armados com rifles e espingardas, também se dirigiu ao tribunal. Enfurecidos com a atitude, os brancos passaram a convocar reforços, afirmando que os negros estariam organizando uma rebelião armada. Em poucas horas, uma multidão de mais de duas mil pessoas, a maioria das quais portando armas, estava concentrada na frente do tribunal.
![](https://controle.operamundi.uol.com.br/wp-content/uploads/2024/05/tulsaraceriot-1921-1024x640.png)
Destruição do massacre racial de Tulsa em 1º de junho de 1921
Provocações e enfrentamentos de menor vulto começaram a ocorrer. Em um dado momento, um homem branco tentou desarmar um veterano negro, que reagiu disparando um tiro. Iniciou-se um grande tumulto que logo evoluiu para um tiroteio, vitimando negros e brancos. Os negros recuaram em direção a Greenwood, mas foram seguidos pelos brancos, que saquearam armas e munições das lojas situadas ao longo do percurso.
Teve início a chacina, com os brancos alvejando indistintamente todos os negros que encontravam pelo caminho, destruindo casas e estabelecimentos comerciais. Conivente, a polícia local não agiu para deter o massacre, ao passo que os membros da Guarda Nacional auxiliaram na repressão contra os negros. Liderados por Wyatt Tate Brady, membros da Ku Klux Klan também auxiliaram na chacina.
Na madrugada do dia 1º de junho, um enorme grupo de amotinadores brancos se organizou para destruir o bairro de Greenwood. O ataque foi generalizado, não poupando sequer um quarteirão do bairro. Residências e comércios foram depredados, saqueados e incendiados. Os negros que tentavam fugir eram alvejados com rifles e até metralhadoras. Seis aviões biplanos sobrevoaram o bairro despejando bombas incendiárias. Os bombeiros, por sua vez, se recusaram a intervir para apagar os incêndios.
Às 9h da manhã, o bairro já estava totalmente destruído e a comunidade negra havia sido assassinada, aprisionada ou obrigada a fugir. Cerca de 6.000 negros foram presos em centros de internação espalhados por Tulsa. A maioria dos negros feridos não recebeu atendimento, pois o centro médico da comunidade havia sido destruído no ataque e quase todos os hospitais da cidade se recusaram a atendê-los. O número exato de vítimas do massacre segue como uma incógnita. A princípio, o jornal Tulsa Tribune informou que 77 pessoas teriam morrido no ataque (68 negros e nove brancos), mas depois ampliou a cifra para 176 mortos. Alguns historiadores afirmam que mais de 300 pessoas morreram no massacre. Sobreviventes do massacre relataram que os corpos dos mortos foram enterrados em valas comuns ou jogados no Rio Arkansas.
Mais de 1.500 residências foram destruídas e cerca de 10 mil pessoas ficaram desabrigadas, sendo forçadas a permanecer em barracas improvisadas nos arredores da cidade. Não houve responsabilização criminal a nenhum dos brancos responsáveis por perpetrar o massacre. O episódio foi suprimido da historiografia oficial e omitido nos livros didáticos até 1996, quando uma comissão parlamentar estadual iniciou uma investigação sobre o massacre. A comissão publicou um relatório recomendando uma série de ações de reparação aos sobreviventes e seus descendentes, efetivadas após aprovação do Ato de Reconciliação do Massacre Racial de Tulsa, em junho de 2001.