A atual crise financeira internacional, iniciada em 2008 com a quebra do banco Lehman Brothers, e a aparente ausência de caminhos que conduzam ao crescimento e à estabilidade econômica têm colocado em xeque a hegemonia do neoliberalismo. Entretanto, nada parece abalar a crença que as autoridades de muitos países depositam na teoria do Estado mínimo. O exemplo mais recente é o da crise da dívida pública na zona do euro. Países como Portugal, Itália, Grécia e Espanha se veem reféns da fúria dos mercados, que exigem a adoção de medidas de arrocho fiscal prejudiciais ao crescimento econômico, que aumentam a pobreza e reduzem direitos sociais. Corte de gastos públicos, privatização de empresas estatais, demissão de servidores, redução de pensões e aposentadorias. Tudo sob o manto sagrado do equilíbrio das contas do governo, que garantem o pagamento dos juros ao mercado financeiro.
Para especialistas ouvidos pelo Opera Mundi, graças ao ciclo de crescimento econômico iniciado nas décadas de 1970 e 1980 e da ausência de alternativas políticas claras, o neoliberalismo se tornou uma ideologia praticamente hegemônica. Contudo, eles afirmam que é um sistema que implica em uma enorme desigualdade social, na redução do poder dos estados nacionais e no fortalecimento de grupos privados.
Consultor da ONU e economista reconhecido no mundo inteiro, o professor Ladislau Dowbor é enfático na sua crítica ao neoliberalismo. Ele classifica como “analfabetismo econômico” a entrega de dinheiro público para aos bancos apresentada como o principal remédio no combate à crise de 2008. “O Neoliberalismo é um absurdo em termos de teoria econômica, não corresponde a nada. A base teórica dele é ridícula. Esse sistema ganhou visibilidade porque coincide com os interesses das empresas transnacionais e não pela sua coerência teórica”, argumenta Dowbor.
O caso grego
As dívidas da Grécia e da Itália ainda se apresentam como um problema de difícil solução. Os organismos internacionais e a União Européia afirmam que para poder obter refinanciamento, esses países precisam se comprometer a reduzir o gasto público. Na prática, pede-se a adoção de uma série de medidas anti-populares e de enfraquecimento do Estado, como o aumento de impostos, aumento da idade mínima para a aposentadoria e flexibilização de contratos de trabalho.
“O receituário apresentado à Grécia pode implicar futuramente na subordinação da sua soberania e da sua economia, tudo isto a um enorme custo social”, argumenta Jefferson Goulart, professor de teoria política da Unesp. Para ele, inicialmente essas medidas podem resultar em uma melhora, mas em médio prazo pode representar uma subordinação definitiva da economia e da soberania grega. Não é por outra razão que os gregos e outros povos, em situação similar, vivem uma forte tensão social quando se discute estas medidas”, observa o professor.
Mais ou menos estado?
Ex-secretário de finanças públicas da Prefeitura de São Paulo (89-92), Amir Kahir discorda do princípio neoliberal de que a interferência estatal prejudica o funcionamento da economia e aponta o papel decisivo do poder público no combate a atual crise. “É e foi o Estado que salvou do naufrágio o sistema financeiro. Compete ao Estado fazer a distribuição de renda, implementar e ampliar políticas sociais, estímulos à atividade econômica, zelar pelo meio ambiente”, explicar Kahir.
Goulart comenta que os teóricos neoliberais não falam mais abertamente “em acabar com o Estado”. Ele explica que a economia européia não entrou em colapso devido a grande soma de recursos disponibilizado spelo Banco Central Europeu e a uma alta regulamentação.
O professor lembra que o socorro prestado pelo Estado ao mercado financeiro levou ao chiste de que “o capitalismo está precisando do Estado!”. A discussão atual não é mais se o Estado deve ou não participa da economia e sim como deve ser essa interferência. “Ninguém fala mais em limitar o tamanho do Estado. Se fala em termos de política pública, de diminuição à proteção social e equilíbrio fiscal”.
Quem paga a conta?
Dowbor classifica como “bobagem” a idéia de que os bancos investiriam o dinheiro recebido do Estado para dinamizar a economia, ele afirma que em tempos de crise é óbvio que não seriam feitos investimentos. “Os governos ficaram com um buraco no orçamento e ao invés de cobrar dos bancos, eles estão repassando essa dívida para os pobres e, se possível, para os países mais fracos, especialmente o Sul da Europa”, analisa.
A redução do dinheiro gasto com serviços públicos, apontada como uma das principais medidas para a recuperação é econômica, não é a melhor saída na opinião de Kahir. “Com maiores recursos à base da pirâmide social todos acabam ganhando com o desenvolvimento.”, afirma.
Quando a Grécia entrou na União Européia, a idade mínima para o trabalhador grego se aposentar era de 55 anos, já um trabalhador alemão precisava ter pelo menos 67 anos para requerer a aposentadoria. “ Não se pode pensar essa questão somente em termos da idade e que o grego precisaria trabalhar mais. Temos que questionar a diferença do bem estar social e da rede de apoio que cada um desses trabalhadores receber”, argumenta o professor da Unesp.
Novo versus o velho
Para o professor de Relações Internacionais da UNB, Virgilio Arraes, os teóricos neoliberais souberam equilibrar o discurso da direita e atrair os grupos socialistas, os quais no início da década de 90 estavam desiludidos com o fim do Regime Soviético.
“O ‘fim do socialismo’ provocou um desânimo na esquerda e desta maneira facilitou a transição de muitos de seus adeptos para uma conjugação com a direita. O neoliberalismo tem um enorme poder de cooptação”, argumenta Arraes.
Os especialistas apontam que a consolidação do neoliberalismo como a “única via possível” é a principal justificativa para que, mesmo com a atual crise do sistema financeiro, ainda não existam alternativas claras a respeito do que deve ser feito.
Porém, Dowbor acredita que irão surgir novas opções. “Há uma massa de economistas e pesquisadores, em quase todos os países, que estão trabalhando alternativas quase todas elas pensando a reorientação da economia em função das pessoas e da qualidade de vida e não mais as pessoas em função das grandes corporações.”
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