O gerente de vendas Joaquín de Sousa, 40 anos, teve dificuldades para viajar ao exterior nos últimos meses. Para ir à Colômbia em janeiro, cruzou a fronteira da Venezuela por terra, já que não encontrou passagem aérea. O venezuelano conta que, em dezembro do ano passado, quando seu pai, português, morreu, não teve como ir a Lisboa. No final de maio, devido à morte de outro parente, conseguiu viajar, mas atribuiu o fato a um “golpe de sorte”.
“Não tem passagem em nenhuma companhia, todas estão reduzindo voos. É um drama”, diz, explicando que, por um cancelamento de última hora, pôde viajar com a Air Europa. Antes disso, chegou a entrar na fila do escritório da Alitalia na capital venezuelana. Desistiu ao saber que a empresa não estava vendendo passagens e anunciou em seu site o cancelamento de voos Roma-Caracas-Roma em várias datas de maio e de 2 de junho a 25 de outubro.
A situação vivida por Joaquín não é incomum. Conseguir passagens para o exterior virou um desafio nos últimos meses na Venezuela, já que companhias aéreas internacionais diminuíram a frequência de rotas ou restringiram a venda no país. Em maio, a imprensa local difundiu que a alemã Lufthansa paralisou as vendas de passagens. “Ainda não temos disponibilidade aberta, recomendo que ligue de novo na semana que vem”, dizem atendentes do escritório da empresa em Caracas sobre a venda passagens pelo telefone.
Aula Pública Opera Mundi: Venezuela é uma ditadura ou uma democracia?
“Todas as linhas aéreas suspenderam frequências ou baixaram capacidade”, disse a Opera Mundi Humberto Figuera, presidente executivo da Alav (Associação de Linhas Aéreas da Venezuela). Segundo ele, há uma média de 48% a menos de assentos disponíveis no mercado, devido ao atraso na conversão do montante das vendas das empresas em divisas estrangeiras, que resultou em um acúmulo de 4,2 bilhões de dólares a serem convertidos, segundo cálculos do setor.
O problema tem origem no controle governamental do câmbio: ao vender as passagens em bolívares – moeda local –, as companhias aéreas precisam converter a quantia pelos sistemas oficiais de designação de divisas para repatriá-la, o que não vem acontecendo com a frequência esperada desde o final de 2012. “Em 2013 foi sumamente grave porque quase não houve conversão de bolívares a dólares”, afirma Figuera.
NULL
NULL
“Caíram bastante nossas vendas, porque há dificuldade de conseguir passagens para destinos internacionais”, explicou na última semana um agente de viagens, contando que muitas companhias somente vendem lugares em voos para os próximos 30 dias. O agente disse, no entanto, ter esperança de que a situação comece a se regularizar, já que o governo venezuelano está dando os primeiros passos para solucionar a crise aérea.
Expectativa de normalização
Apesar de ter alegado que voos estão sendo desviados para o Brasil pela Copa do Mundo e que as empresas que saíssem do país em meio ao que denomina como uma “guerra econômica” não voltariam, o governo tem se reunido com empresas aéreas e realizou propostas de calendário para a conversão a dólares das quantias que não puderam ser repatriadas.
Na última sexta-feira (06/06), o ministro venezuelano de Transporte Aquático e Aéreo, Hebert García Plaza, anunciou o pagamento da dívida referente a 2012 e 2013 a seis companhias: Tame Equador, Avianca, Tiara Air, Aeroméxico, Insel Air e Aruba Airlines. “Estaremos anunciando outras empresas aéreas com as quais assinamos acordos e que o respectivo pagamento está sendo gestado”, escreveu em sua conta de Twitter.
A brasileira Gol Linhas Aéreas chegou hoje (10/06) a um acordo com o governo venezuelano para a conversão do saldo acumulado no país até 2013 em parcelas semestrais até 2016. O diretor de Relações Institucionais do grupo Gol, Alberto Fajerman, informou a Opera Mundi que a primeira parcela será paga de forma imediata e que também se assumiu o compromisso de que a situação de 2014 até o momento seja resolvida.
No Formulário de Referência 2014 disponível em seu site, a Gol registra que até o fim de março seu caixa mantido na Venezuela totalizava cerca de R$ 350 milhões e que reconheceu, em 31 de março, uma perda com variação cambial de R$ 75,9 milhões. “(…) impactaram nosso resultado financeiro, sem impactar os resultados operacionais”, expressa o texto.
Após chegar ao recente acordo, Fajerman disse que a empresa quer “se estabelecer mais solidamente” na Venezuela e procura um local para ter uma sede própria em Caracas. De fato, apesar da dificuldade para repatriar o saldo das operações desde o final de 2012, a Gol foi a única companhia aérea que aumentou frequências à Venezuela, de acordo com um informe da Alav atualizado em 20 de maio. A empresa aumentou de 7 para 11 as frequências semanais ao país, que serve como escala de rotas para Aruba e República Dominicana.
Redução de voos
A companhia brasileira atuou na contramão da tendência: o informe da Alav aponta que, de 2013 a 2014, a Aeroméxico diminuiu 23% dos assentos disponíveis, a Air France, 26%, a Air Europa, 43%, a American Airlines, 19%, a Copa Airlines, 45%, a Delta Airlines, 6%, a Iberia, 31%, a LAN Peru, 63% e a Air Canadá, 20%, antes de realizar seu último voo à Venezuela em 16 de março. A Avianca, por sua vez, reduziu em 66% os assentos e frequências, e a Tiara Air em 85%.
A TAM Linhas Aéreas, por sua vez, passou a operar a partir de 30 de abril com três voos semanais, em vez dos diários realizados no ano passado, de acordo com o documento. Em pronunciamento enviado à reportagem na última sexta, o grupo Latam não informou sobre a redução e disse não ter novidades sobre o processo de repatriação de capital na Venezuela.
“A companhia está analisando os detalhes a respeito dessa operação. Menos de 1% das receitas do Grupo estão retidas no país e esse valor está investido em fortes instituições financeiras locais”, expressa o texto, complementando que, “no caso específico da Venezuela, tanto a LAN quanto a TAM continuam voando de acordo com os itinerários programados”.
“Evidentemente as companhias estão administrando seus inventários, abrindo com muito cuidado, não somente por não poder enviar o produto de suas vendas na Venezuela à casa matriz, mas como uma maneira de se proteger”, explicou Figuera. A cautela se deve à possível liquidação de divisas feita com base em um bolívar mais desvalorizado do que o calculado para as vendas.
A conversão atualmente é feita por um sistema no qual a moeda norte-americana está cotizada em cerca de 10 bolívares. Parte das divisas pendentes às linhas aéreas, porém, corresponde a períodos em que estas eram calculadas em 4,30 e 6,30 bolívares. Agora, discute-se a conversão com base em outro sistema, no qual o dólar ronda 50 bolívares.
As propostas e os acordos de pagamento, embora em alguns casos sejam negociados com descontos, deixam em um horizonte mais próximo a possibilidade de normalização da situação das companhias aéreas e da venda de passagens. Uma reportagem publicada no jornal econômico local El Mundo nesta terça informa que algumas companhias que chegaram a um acordo com o governo para a conversão dos caixas, como Insel e Tiara Air, já estão em processo de ativar as novas tarifas e iniciar a venda de passagens de forma regular.
Preços altos
As novas tarifas se devem à exigência do governo de que as companhias aéreas diminuam o valor das passagens, que considera distorcidos quando comparados com outros países na taxa oficial dólar. “As linhas aéreas têm que ajustar suas passagens ao [valor] real, estavam castigando nossos usuários. Duplicam o preço da passagem e neste país vendem como se fosse classe executiva ou primeira classe, não pode ser”, afirmou o vice-presidente da Área Econômica da Venezuela, Rafael Ramírez.
Um dos exemplos citados pelas autoridades é o valor de um voo de ida e volta para Madri, que ao sair de Caracas custa ao redor de três mil dólares, enquanto saindo de Bogotá não chega à metade deste valor. Frente ao temor de que a medida encareça viagens, o governo afirma que o ajuste aumentará a competitividade do país para o turismo internacional e que em alguns casos o valor das passagens em bolívares sofrerá impacto de no máximo 50%.
No ano passado, a demanda por passagens aumentou devido ao uso irregular das cotas oficiais de divisas destinadas a venezuelanos que viajam ao exterior. A prática ficou conhecida como “raspar o cartão” e consiste em viajar sem gastar a totalidade de moeda estrangeira designada oficialmente para trocar o restante no mercado paralelo, no qual o dólar chegou a superar dez vezes o valor oficial.
Entre as medidas tomadas no último ano para reverter a tendência, o governo passou a limitar a quantidade anual de dólares e desvalorizar a taxa de conversão destinada a viajantes, fiscalizar o uso regular das divisas pelos usuários e impedir que estrangeiros que não residam no país comprem passagens em território venezuelano para se beneficiar da diferença da cotação da moeda no câmbio oficial e no mercado paralelo.