'Com Bukele, perdemos todas as garantias democráticas em El Salvador', diz deputada da FMLN
Para Anabel Belloso, prisão de membros do seu partido foi episódio mais recente dos ataques às instituições realizados pelo presidente Nayib Bukele
Medidas e declarações recentes do presidente de El Salvador, Nayib Bukele, têm colocado em risco a ação política de opositores e chamado a atenção de membros da sociedade civil salvadorenha para uma crescente deterioração das instituições no país. Para a deputada do partido Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN), Anabel Belloso, representante da capital San Salvador no Congresso, as recentes prisões de quadros da FMLN são o mais novo elemento que evidencia que o país comandado por Bukele “perdeu o Estado de Direito e as garantias democráticas”.
Em entrevista a Opera Mundi, a parlamentar classificou a prisão de cinco integrantes do partido, no dia 22 de julho, como “prisões políticas” e disse não ter confiança de que os detidos terão direito a um processo justo.
“Fizemos uma avaliação e concluímos que se trata de perseguição política, nossos companheiros, militantes e ex-funcionários de governo, são presos políticos. Foi uma desculpa para atacar aqueles que geram incômodo ao regime de Bukele”, afirmou a deputada.
Acusados de um suposto envolvimento em casos de corrupção, a ex-ministra da Saúde, Violeta Menjívar, o ex-ministro da Fazenda Juan Ramón Carlos Enrique Cáceres Chávez, a ex-vice-ministra da Ciência e Tecnologia, Erlinda Hándal, o ex-vice-ministro da Agricultura, Hugo Flores, e o ex-deputado Calixto Mejía foram presos na última semana e tiveram prisões preventivas decretadas pela Justiça na última quarta-feira (28/07). Outros cinco membros da FMLN têm ordens de prisão abertas, como é o caso do ex-presidente Salvador Sánchez Cerén.
As detenções foram denunciadas por advogados e políticos, uma vez que as ações das autoridades estariam “repletas de irregularidades”. Segundo Belloso, “o devido processo foi violado, eles foram privados de liberdade, não foi dito o motivo pelo qual estavam sendo presos e houve formas muito questionáveis das ações das polícias, algumas estavam vestidas como civis”.
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Autoritarismo do presidente de El Salvador, Nayib Bukele, tem colocado em risco a ação política de opositores
A respeito das acusações formais contra os membros da FMLN que foram detidos, a deputada afirma que, mesmo que exista um debate sobre o caráter ético das ações, as práticas dos chamados “sobresueldos” – termo utilizado para classificar “bonificações” extras ao salário de membros do governo pagas com despesas reservadas exclusivamente à Presidência da República – não constituem um crime.
“Não foram apenas membros da FMLN que utilizaram esse mecanismo [dos “sobresueldos”], há gente do [partido de direita] Arena e gente do atual governo que está envolvida, entretanto não foi exercido nenhum tipo de ação contra eles”, afirmou Belloso.
Autoritarismo e perseguição de opositores
Para a deputada, a onda de ataques por parte do Executivo aumenta a insegurança dos opositores ao governo e episódios como as prisões dos quadros da FMLN “podem acontecer com qualquer um de nós”.
“Existem ataques contra qualquer um que se pronuncie contra o governo, não só contra a FMLN, mas outros setores como jornalistas e ativistas. Há uma concentração de poder em uma só mão, a do presidente, que obviamente instala um sistema autoritário”, afirmou.
Como mostra do crescente autoritarismo do governo, Belloso cita as ordens dadas por Bukele para que as Forças Armadas invadissem a Assembleia Legislativa, em fevereiro de 2020, e de quando o partido do presidente, que possui maioria no Congresso, destituiu os juízes da Suprema Corte, em maio deste ano.
“Não há confiança no sistema atual, desde o 1º de maio [destituição dos juízes da Suprema Corte], não há independência entre os Poderes, foi perdido o Estado de Direito e não há garantias de que uma pessoa terá um processo dentro da lei”, disse.
A parlamentar ainda destaca que “as pessoas que ocupam instituições, como a Procuradoria-Geral e a Suprema Corte, são pessoas impostas por Bukele, fora dos mecanismos legais e que portanto respondem a interesses particulares de quem os colocou ali, não podendo garantir a independência da Justiça”.
“Desde que Bukele chegou ao governo ele começou, através de diferentes atos, a dar mostras claras de seu caráter autoritário. Direitos que já tínhamos como conquistados hoje estão em risco, alcançamos um retrocesso de 40 anos”, afirmou Belloso.