Ninguém é indiferente a Mahmoud Ahmedinejad. No Irã, ou ele é amado ou odiado. É motivo de orgulho ou de nojo. Não há meio termo. É símbolo de quem levantou o nome do Irã, para uns, e de quem o rebaixou, para outros.
A percepção veiculada pela imprensa internacional contribui para aumentar a polarização. Pelo mundo refinado das elites iranianas, Ahmadinejad é “um ovni, um contra-senso”, alguém que ninguém notava a existência e que não querem conhecer, um “haki” (poeira), como dizem com desprezo os burgueses de Teerã, um homem “vindo de lugar nenhum” que aliou uma civilização milenar a um Hugo Chávez ou a um Evo Morales.
A adesão a Ahmadinejad – fora das suas bases proto-fascistas – não tem a mesma força que emana sua rejeição. Mas ele nem precisa: introvertido, esperto, com moradia modesta, seu jeito simples de falar, de se vestir – sempre com o mesmo casaco de cor bege – ele chegou onde nenhum outro dirigente iraniano até hoje conseguiu chegar.
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Ahmadinejad teria recebido mais de 20 milhões de cartas com pedidos de cidadãos de todo o país. Ele fez o governo se reunir nas províncias que visita com frequência. Sua primeira decisão depois de eleito foi criar um fundo de dois bilhões de dólares das receitas petroleiras para ajudar jovens a arrumar emprego, moradia e até a se casar. Brigou com os diretores do Banco Central e com os conservadores do Majliss (parlamento), pois queria aumentar o salário mínimo, o poder aquisitivo dos mais pobres em 20% e as aposentadorias em 30%.
Ele intimou os bancos estatais a financiar projetos dos pequenos produtores no campo e dos artesãos e distribuiu bônus de ajuda a professores e enfermeiros, além de encurtar o tempo para o dinheiro chegar do poder central às prefeituras.
No seu primeiro mandato, a inflação explodiu – chegou a 25% – mas ele aproveitou também, durante três dos quatro anos no poder, o crescimento das receitas vindas das indústrias petroleiras. Para a imensa maioria, permaneceram os lemas: “antes dele, não era melhor, ao menos com ele…” e também: “ele ainda é o único capaz de dividir um soufreh (comida tradicional) com pessoas humildes”.
Regime islâmico
Criticado pela imprensa internacional, pelas elites do país e pela influente comunidade iraniana instalada em Los Angeles, as ideias de Ahmadinejad sobre o programa nuclear e o conflito entre Israel e Palestina não são tão diferentes do pensamento da maioria. Muitos apoiam o desenvolvimento de tecnologia nuclear e se posicionam contra Israel.
Claro que é impossível decidir, a partir do Brasil, se houve ou não fraude nas eleições. As únicas certezas são: primeiro, a participação dos eleitores foi muito alta (83%, superando o recorde de 80% da primeira eleição de Khatami, em 1997), provavelmente porque a mobilização dos dois lados foi muito intensa. Segundo, Ahmadinejad teve uma porcentagem de votos parecida com o segundo turno de sua primeira eleição (63%, em 2009, e 61%, em 2005), mas com muito mais votos por causa da maior participação popular (62%, em 2005, e 83%, em 2009).
O problema não é tanto por uma eventual fraude. Ele é da natureza da constituição do regime islâmico, misto de eleições e de teocracia, de eleições diretas (e indiretas pelo Guia Supremo, Khomeini e, depois dele, Khamenei) e até de alternância, mas sem as instituições que protegem as minorias políticas ou garantem o prosseguimento de suas ações entre duas eleições.
A culpa não é só do regime islâmico. O Irã – apesar de toda sua sofisticação intelectual – não possui um “modelo” democrático. São 2,5 mil anos de absolutismo, sem alívio nem intervalo.
O pleito de 2009 mostrou a carência dos dois lados na acomodação e na composição. No entanto, o principal candidato da oposição, Mir Hussein Mousavi, conseguiu um terço dos votos e mais de 20% em todas as províncias. O número é expressivo. O desafio virá dos dois lados. A forte divisão existirá tanto no campo religioso como político, o que se chama no Irã de “a luta da revolução islâmica contra o governo islâmico”.
Trinta anos depois da Revolução Islâmica, Ahmadinejad é um “fenômeno eleitoral”, mas os filhos da revolução – mais educados, saudáveis e conscientes – não ratificariam hoje a mesma constituição que seus pais ratificaram em 1979.
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