O primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, admitiu neste domingo (29/10) que, em um possível segundo mandato seu no país, será promovida uma lei para anistiar os nove líderes independentistas catalães que foram condenados em 2019 por “atentar contra as instituições”, ao promover o referendo independentista da Catalunha em outubro de 2017.
A declaração significa uma drástica mudança de postura do mandatário, em cujo primeiro mandato não houve sequer um mínimo gesto de aproximação com esse setor. Em diversas entrevistas, Sánchez tratava a principal figura independentista, o ex-governador catalão Carles Puigdemont, como “foragido da Justiça” – ele atualmente se encontra exilado na Bélgica, enquanto sete dos nove condenados estão presos.
Sánchez efetuou essa guinada discursiva afirmando que “em nome de Espanha, em nome dos interesses da Espanha, em defesa da convivência entre os espanhóis e como uma forma de superar definitivamente as consequências da crise (de 2017), hoje defendo a anistia na Catalunha pelos acontecimentos ocorridos na última década”.
Movimento independentista de 2017
A “crise” mencionada por Sánchez foi o movimento independentista iniciado em setembro de 2017, quando a Catalunha era governada por Puigdemont.
No dia 1º de outubro de 2017, após uma série de marchas em Barcelona (capital da região), o governo catalão promoveu um referendo que perguntou se os catalães eram favoráveis ou não à independência. A consulta popular foi resultado de um acordo no parlamento local entre o Junts per Catalunya (mais conhecido como Junts), partido de direita liderado por Puigdemont, e a Esquerda Republicana Catalã (ERC).
O referendo terminou com vitória do “sim” à independência da Catalunha, mas o resultado não foi aceito pelo então primeiro-ministro espanhol, o conservador Mariano Rajoy (2011-2018), que acusou os líderes do Junts e da ERC de “atentar contra a unidade da Espanha”. Essa denúncia terminaria com a condenação judicial dos principais líderes dos dois partidos, envolvidos no acordo que deu origem ao referendo.
Vale lembrar que, apesar de só a legenda de esquerda ter a alcunha “republicana” em seu nome, o Junts também é um partido republicanista, e esse fator é crucial para entender a questão do independentismo catalão: o movimento não só defende a separação da Reino da Espanha como também a criação, não de um Reino da Catalunha, mas da República da Catalunha.
Esse sentimento, aliás, não é novo, já que, na Guerra Civil Espanhola (1936-1939), a Catalunha foi um dos bastiões das forças que defendiam a República Federal da Espanha. Portanto, o movimento independentista catalão não nasce da simples vontade de se separar de Espanha, e sim do fracasso daquele projeto derrotado pelo franquismo – vencedor da Guerra Civil, sob a liderança do general e posteriormente ditador Francisco Franco (1939-1974) –, o que levou à regionalização daquela reivindicação republicana.
Eleições de 2023
A causa independentista voltou a ganhar fôlego com o resultado das eleições gerais espanholas, realizadas em 23 de julho de 2023, que terminou com o conservador Partido Popular (PP) como o mais votado.
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Gesto de Sánchez aos independentistas catalães pode ser decisivo para obter maioria e chegar ao segundo mandato
Essa vitória da direita não deu ao setor os votos necessários para que o líder do PP, Alberto Núñez Feijóo, pudesse obter a maioria de 176 votos na Câmara dos Deputados, quórum mínimo exigido para a formação de governo na Espanha.
Os 137 representantes do PP, junto com os 33 do seu principal aliado – o partido de extrema direita Vox –, somaram 170 votos. Para chegar ao quórum requerido, os conservadores precisavam do apoio dos partidos regionalistas da Catalunha ou do País Basco.
Tanto o Junts quanto a ERC possuem atualmente sete representantes cada um no parlamento espanhol. No caso dos bascos, existe a bancada do Partido Nacionalista Basco (PNV, de direita), com seis representantes, e a da Esquerda Basca (EH Bildu), com cinco.
Porém, nenhum desses partidos apoiou a aliança direitista de Feijóo, nem mesmo os dois partidos regionalistas ideologicamente sintonizados com algumas ideias conservadoras (Junts e PNV).
No caso dos catalães, o obstáculo foi o próprio PP, que se negou a mudar seu discurso de criminalizar o independentismo e se negou a aceitar a exigência comum do Junts e do ERC: anistia aos líderes condenados, considerados por eles como “presos políticos”.
Já os bascos se negaram a votar por Feijóo para impedir que o líder do Vox, Santiago Abascal, fosse o novo vice-primeiro-ministro. A extrema direita espanhola promove um discurso fortemente hostil contra os movimentos regionalistas, mas especialmente contra os bascos, acusados pelo Vox de “terroristas”, devido a que algumas figuras, tanto do PNV quanto do EH Bildu, eram ligadas ao já extinto movimento Pátria Basca e Liberdade (ETA).
Com o fracasso de Feijóo em formar governo, o Partido Socialista Operário da Espanha (PSOE), de Sánchez, ganhou o direito de tentar essa maioria, a partir da bancada de 121 deputados eleita pela legenda em julho passado.
Para isso, Sánchez conta com os 31 votos do Movimento Somar (herdeiro político do extinto partido de esquerda Podemos) e com os regionalistas da Catalunha e do País Basco.
A mudança de discurso de Sánchez é um passo no caminho dessa aliança necessária para obter a maioria, caso os Junts e a ERC aceitem os termos da proposta do PSOE para uma possível anistia aos líderes catalães presos ou em exílio.