A cidade de Washington lançou um alerta sobre a existência de um atirador na região do Capitólio. Ainda que nada tenha sido confirmado e que, em função do período de recesso, o edifício estar praticamente vazio, a notícia tocou em uma ferida aberta no dia 6 de janeiro de 2021, quando o local foi palco de um motim violento de pessoas indignadas com o resultado das eleições que deram vitória a Joe Biden e que custou a vida de cinco pessoas.
Há poucos metros dali, na tarde de quinta-feira (03/08), um ex-presidente, justamente aquele cuja derrota nas urnas era confirmada no dia 6 de janeiro de 2021, comparecia à Corte Federal de Washington para conhecer oficialmente sua condição de réu na investigação que busca os responsáveis pela invasão do Capitólio.
Donald Trump chegou por volta das três da tarde a Washington, vindo diretamente de seu campo de golf privado em Bedminster, Nova Jersey. Isso, apenas seis semanas após também deixar o refúgio para comparecer a uma outra Corte Federal, a de Miami, no caso que o acusa de haver se apropriado de documentos confidenciais do governo.
O indiciamento foi decidido pelo grande júri de Washington formado por 23 cidadãos civis e anunciado na última terça-feira (01/08). Trump é acusado de quatro delitos de conspiração, relacionados à tentativa de reverter o resultado das eleições. São eles:
- Conspiração para defraudar (desestimar) os Estados Unidos.
- Conspiração para obstruir um processo oficial.
- Obstrução e tentativa de obstrução de um processo oficial.
- Conspiração contra os direitos dos cidadãos.
O promotor do caso é Jack Smith, que disse que seu escritório buscará um julgamento rápido e chamou o 6 de janeiro de “ataque sem precedentes” à democracia norte-americana que foi “alimentado por mentiras”.
Parte da acusação está baseada em um telefonema feito na noite da data, quando o então presidente Trump recusou um pedido de seu à época conselheiro da Casa Branca, Pat Cipollone, para retirar suas objeções sobre o resultado das eleições e permitir a certificação do Congresso.
Segundo a acusação, Trump explorou a violência e o caos no Capitólio naquele dia. Os promotores apontaram também para as repetidas recusas do ex-mandatário de pedir aos manifestantes que deixassem o local. O que acabou acontecendo, quando o caos já se havia instalado, por volta das 16h17 hora através de uma mensagem de vídeo.
Além disso, a acusação aponto outros seis co-conspiradores, que não foram indiciados. Um deles é o ex-prefeito de Nova York e ex-advogado de Trump Rudolph Giuliani, que teria realizado telefonemas pedindo a membros do Congresso naquela noite que eles “se recusassem” a certificar o resultado .
Além de Giuliani, aparecem no documento do indiciamento outros 5 nomes que constam como co-conspiradores. Como, o ex-advogado de Trump John Eastman, que fez circular um memorando de duas páginas ”com um plano para o vice-presidente Mike Pence anular a eleição de 2020″.
Sidney Powell, também ex-advogado de Trump e que entrou com uma ação contra o governador da Geórgia em novembro de 2020, alegando “fraude eleitoral maciça”. A ação foi rejeitada em dezembro de 2020.
Também o ex-funcionário do Departamento de Justiça Jeffrey Clark, que a acusação cita devido a um e-mail enviado a ele por um alto funcionário da pasta refutando as tentativas de Clark em usar o departamento para anular a eleição.
O advogado pró-Trump Kenneth Chesebro, também responsabilizado pela circulação de um memorando por e-mail enviado para Giuliani no dia 13 de dezembro de 2020, sobre a conspiração dos falsos eleitores. Há ainda um sexto co-conspirador que seria “um consultor político que ajudou a implementar um plano para apresentar chapas fraudulentas de eleitores presidenciais para obstruir o processo de certificação.”
Luciana Rosa
Fora da Corte em Washington, manifestantes protestaram a favor da condenação de Donald Trump
Apesar do ex-vice presidente Mike Pence ser um dos nomes-chave no processo de certificação, ele não é apontado como conspirador. Assim que o pré-candidato às primárias republicanas ficou sabendo do indiciamento, comentou aos repórteres que “qualquer um que se coloque acima da Constituição nunca deveria ser presidente”.
O retorno de Trump a Washington
Na tarde desta quinta, Trump se declarou inocente em todos os cargos diante da juíza Tanya Chutkan, conhecida pela postura linha-dura no tratamento dado aos acusados pela insurreição ao Capitólio. Até agora, a magistrada já sentenciou 38 condenadas pela invasão, cujas penas variaram entre cinco dias e 10 anos de prisão.
Antes defensora pública, ela foi nomeada ao cargo de juíza federal pelo ex-presidente Barack Obama.
Esta não é a primeira vez que ela analisa o envolvimento de Trump na insurreição. Em novembro de 2021, ela recusou o pedido do ex-presidente para bloquear a liberação de documentos ao comitê da Câmara de Representantes que investiga o caso.
Um candidato em campanha
Mesmo acusado por 78 diferentes delitos, que somados poderiam significar um total de 74 anos de prisão, nada parece atingir o ânimo de Trump pré-candidato à Presidência. Nem mesmo o de seus eleitores que, segundo uma pesquisa da NBC News, continuam apostando nele como candidato mais provável para disputar o cargo pelo Partido Republicano.
Desde abril ele passou de ter 46% da preferência para contar com o apoio de 51% dos votantes no mês de julho.
O certo é que, ainda que ele seja condenado em qualquer um dos processos pelos quais está sendo indiciado, não há nada na Constituição norte-americana que o proíba de ser candidato ou mesmo governar como presidente.
Um detalhe deste terceiro indiciamento, porém, ficou claro: Trump já não mobiliza tanto as massas. Apesar da expectativa de que pudesse haver episódios de violência, o que se viu foram algumas dezenas de pessoas tanto defendendo o ex-presidente quanto clamando por tê-lo atrás das grades.
Um das manifestantes anti-Trump, que também esteve em Miami, disse à reportagem já estar se preparando para a viagem à Georgia, onde Trump deve ser indiciado também. Um dos muitos cartazes que ela carregava brincava com a situação “Indiciamentos de Trump tour em celebração”.
Hoje, Trump acumula três indiciamentos:
Na corte distrital de Manhattan, Trump responde por 34 delitos relacionados ao suborno de uma ex-estrela pornô para que ela mantivesse silêncio sobre um affair entre os dois, pelos quais poderia pegar qautro anos de prisão.
O segundo indiciamento se deu junto ao Departamento de Justiça através da corte federal de Miami, em que o mesmo promotor, Jack Smith, o acusa de apropriação indevida de documentos oficiais, distribuídos em 40 diferentes delitos cuja pena total seria de 35 anos.
Ainda antes do final de agosto, ele poderia enfrentar um novo indiciamento, só que dessa vez no estado da Georgia, também por ter tentado interferir nas eleições através da supressão de votos.
Um julgamento poderia acontecer antes das eleições de 2024?
Os tempos de avaliação e julgamento dos casos que Trump responde na Justiça são incertos.
No caso na Flórida, por exemplo, a defesa do ex-presidente solicitou o adiamento do julgamento para que ele não ocorresse durante a campanha eleitoral, o que poderia prejudicar Trump como candidato. Mas, a juíza responsável, Aileen M. Cannon, não parece disposta a ceder e se mostrou cautelosa com os dois pedidos feitos em uma audiência em julho.
Enquanto não se senta no banco dos réus, Trump segue arrecadando popularidade através dos holofotes que os indiciamentos vem colocando sobre seu nome. Na campanha eleitoral para 2024, o magnata continua seguindo a lógica do “falem mal, mas falem de mim”, que já lhe rendeu uma vitória nas urnas em 2016.