Este ano foi testemunha da devastadora agenda do governo que visa vender e privatizar recursos naturais e territórios indígenas em todo o Brasil.
No início de 2019, em 25 de janeiro, em Brumadinho, a barragem que continha a represa de mineração da Vale colapsou, liberando toneladas de lama tóxica sobre centenas de pessoas e contaminando o rio Paraopeba. Mais de 250 pessoas morreram e há pelo menos 20 desaparecidas.
De dimensões iguais, os incêndios que varreram seções da Amazônia durante o verão continuam a arder, embora de maneira lenta e em áreas desmatadas, preparadas para a colheita. No total, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) estima que 29.944 km², o equivalente a 4,2 milhões de campos de futebol, foram perdidos nos incêndios.
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Para completar, na última semana de agosto, restos de petróleo bruto de um derramamento cuja origem ainda está sob investigação foram registrados nas águas do litoral nordeste do Brasil. Até agora, o desastre ambiental afetou 353 localidades de 110 municípios em 9 estados do país e estima-se que afetou mais de 2.880 km, tornando-se a maior tragédia ambiental da história do Brasil. Um relatório da Marinha estimou que, em 3 de outubro, duas mil toneladas do material contaminante haviam sido removidas. No entanto, o impacto na cadeia alimentar, manguezais, corais e solos levará décadas para serem mitigados sem a certeza de que alguns ecossistemas possam se recuperar. Pescadores, camponeses, comunidades tradicionais e ancestrais do nordeste do Brasil alertaram sobre a destruição de seu território e a contaminação de suas águas, denunciando ao mesmo tempo a negligência do Estado em enfrentar o problema e evitar piores impactos ambientais.
A resposta do Estado em todos esses casos não foi rápida ou eficaz. Tem sido, no mínimo, insatisfatória. Além do desmantelamento das políticas ambientais, o governo brasileiro tem sido incapaz de lidar com crises e desastres. Altas autoridades do Brasil proferem discursos e ações que visam o enfraquecimento da estrutura de controle ambiental. Também desqualificam o trabalho de organizações ambientais e defensores dos direitos humanos a ponto de estigmatizá-los e chamá-los de terroristas.
Antes de enviar ajuda às populações afetadas e iniciar ações para limpar as áreas afetadas, procurar sobreviventes e começar investigações destinadas a achar os responsáveis pelos desastres ambientais, as autoridades brasileiras tentam minimizar os impactos e desqualificar as críticas com uma clara intenção de lavar as mãos diante do desastre.
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As críticas ao governo Bolsonaro por não reagir rapidamente à crise ambiental têm sido constantes em todo o país. O desmantelamento de políticas públicas ambientais que vinham sendo implementas também preocupa a população. Por exemplo, a Lei Nacional do Meio Ambiente de 1981, considerada um marco, estruturou o sistema ambiental nacional e consagrou licenças ambientais, mas esse governo quer reformulá-lo sem estruturar ou propor nada em seu lugar.
Paulo Pinto/Fotos Publicas
Protesto em SP contra queimadas na Amazônia: desprezo do governo por meio ambiente trará consequências a todos
Isso ocorre em um cenário em que o Ministério do Meio Ambiente e seus respectivos órgãos de monitoramento e controle sofreram sérios cortes no orçamento, o que reduz bastante sua capacidade de responder corretamente ao desastre ambiental. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, foi questionado sobre o vazamento e, em resposta, ele sugeriu que a organização Greenpeace poderia ser responsável, além de acusar o governo anterior.
Diante do vazamento, o Relator Especial sobre Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais instou o governo a implementar mecanismos de controle e a desenvolver investigações relevantes para parar o derramamento, descrito como a terceira grande tragédia ambiental que ocorreu sob o mandato de Bolsonaro, e que as entidades responsáveis sejam sancionadas.
Infelizmente, a destruição do meio ambiente e a restrição do direito de protegê-lo também estão intimamente e tragicamente conectadas. Os números dos que enfrentam a tarefa de preservar o meio ambiente no Brasil e nas Américas estão sendo dizimados, sendo a perda mais recente a do defensor indígena Paulo Paulino Guajajara, morto por “madeireiros ilegais”.
Cabe ressaltar que esse fenômeno não é endêmico apenas no Brasil. Em todo o continente, vimos como as pessoas que resistem a um modelo desenfreado de desenvolvimento que desvalorizam a natureza e os direitos das pessoas que convivem em harmonia com ela, assim como os defensores e ambientalistas sejam alvo de calúnia, perseguição e ameaças de morte.
Infelizmente, a morte de quem defende a Amazônia e outros territórios naturais é o ponto final dos discursos do governo que descartam abertamente as mudanças climáticas e o valor da natureza. As ações mais recentes contra bombeiros voluntários em Alter do Chão, no Estado do Pará, seguem essa mesma linha de inibição de tarefas de proteção ambiental. Nesse sentido, a queima de hectares de floresta e o assassinato de quem tenta preservar o equilíbrio ambiental deve ser considerado um ataque contra a vida de todos nós, mesmo daqueles que não vivem no Brasil.
No final da década, o custo de cada tragédia ambiental neste país em 2019 será aquele que terá um impacto nas gerações futuras. Diante do começo de 2020, a comunidade internacional deve continuar a exigir maior proteção daqueles que defendem o meio ambiente e fornecer soluções para proteger e fortalecer o que resta, antes que a dívida contra a natureza seja deixada para todos nós.
(*) Publicado originalmente em Open Democracy