“Caça às bruxas” talvez seja a frase que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tenha repetido por mais vezes nos últimos meses do ano de 2019. Famoso por suas publicações ofensivas, intolerantes e mentirosas no Twitter – plataforma em que está mais ativo do que nunca -, o mandatário agora acusa a oposição democrata de travar uma perseguição judicial contra seu mandato, por conta de um processo de impeachment que, se não retirá-lo do cargo, promete pelo menos desgastar a imagem do republicano até as eleições presidenciais de 2020.
Marcado pela ameaça de impedimento do presidente, cujo processo foi aprovado pela Câmara dos Representantes norte-americana na última quarta-feira (18/12), o final de 2019 trouxe para o governo Trump um nível de instabilidade que sua gestão se acostumou a exportar para outros países, concorrentes comerciais e ideológicos de Washington. As sobretaxas aos produtos chineses como parte da guerra comercial contra a nação oriental, as sanções contra o Irã, o endurecimento do bloqueio a Cuba, o apoio às forças golpistas na Venezuela e na Bolívia, as parcerias com Israel que agridem a nação Palestina e os ataques xenófobos contra migrantes latinos vindos de países da América Central são algumas das posturas que marcaram a administração do republicano neste terceiro ano de governo.
Entretanto, uma ligação telefônica ao presidente da Ucrânia, Vladimir Zelensky, evidenciou as tentativas de ingerência de Trump e que agora parecem se voltar contra o mandatário, acusado de abuso de poder e de obstruir os poderes de investigação do Congresso. No telefonema feito em 25 de julho, o republicano pediu ao presidente da Ucrânia para investigar Hunter Biden, filho do ex-vice-presidente e pré-candidato democrata à Casa Branca Joe Biden, que ocupa um cargo de conselheiro em uma empresa ucraniana.
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“A outra coisa é que há muita conversa sobre o filho do [Joe]Biden, que Biden parou a acusação e muitas pessoas querem investigar isso, então qualquer coisa que você puder fazer com o procurador-geral seria ótimo”, disse Trump a Zelensky durante a conversa, pedindo ao presidente ucraniano entrar em contato com o procurador-geral dos EUA, William P. Barr, e com seu advogado pessoal, Rudy Giuliani, para discutir medidas em uma potencial investigação contra o democrata.
O processo de impeachment começou em setembro, quando uma denúncia anônima revelou aos serviços de inteligência do país o conteúdo da ligação entre Trump e Zelensky. De acordo com a transcrição da conversa liberada pela Casa Branca, o republicano não fez nenhuma promessa específica para o ucraniano em troca das investigações contra o filho de Biden, mas deixa claro em diversos momentos que Washington “faz muito pela Ucrânia”.
Parte da imprensa norte-americana e da oposição democrata concordaram que, embora não tenha ficado clara a chantagem, o presidente montou um campo de pressão econômica para conseguir a colaboração de Zelenski. Além disso, informações do governo norte-americano indicaram que uma semana antes do telefonema, Trump havia suspendido uma ajuda militar de cerca de US$ 250 milhões para a Ucrânia, que trava uma guerra em seu território contra forças separatistas apoiadas pela Rússia. E, em 11 de setembro, mais de um mês após a conversa, a verba foi descongelada.
A Casa Branca também foi acusada de manipular o desejo de Zelenski por um encontro com Trump na Casa Branca atrelando o convite a uma eventual colaboração do ucraniano na investigação contra Biden.
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Durante a fase de depoimentos na Câmara, Gordon Sondland, embaixador dos EUA na União Europeia, afirmou ter dito a um conselheiro do governo da Ucrânia que a Casa Branca não concederia um pacote de ajuda militar até que Kiev prometesse investigar políticos do Partido Democrata, incluindo Joe Biden. O diplomata ainda disse que passou a mensagem a um conselheiro do presidente Zelenski durante uma reunião em Varsóvia em setembro.
‘Nunca estivemos tão próximos’
As relações de Trump com a América Latina também marcaram o ano de 2019 para a política externa norte-americana, com sanções e ameaças de invasão militar para alguns países, e abraços e promessas – não cumpridas, muitas vezes – para outros. No caso do Brasil, sobre o qual Trump disse que o relacionamento “nunca estivera melhor”, a esperança do governo do presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro era de conseguir apoio dos EUA para ingressar na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE).
E foi com essa esperança que Bolsonaro visitou o republicano na Casa Branca em março, ocasião na qual o presidente norte-americano disse que Brasil e EUA “nunca estiveram tão próximos”. Após a cúpula, Bolsonaro anunciou a permissão aos EUA para utilização da base de Alcântara para lançar foguetes e satélites. Por sua vez, Trump prometeu o apoio de Washington na entrada brasileira no bloco comercial. Entretanto, a promessa foi quebrada em outubro, quando, em carta enviada ao secretário-geral da OCDE, Angel Gurria, o secretário de Estado de Trump, Mike Pompeo, disse que “os EUA continuam a preferir o alargamento a um ritmo medido que leva em consideração a necessidade de pressionar pelo planejamento de governança e sucessão”.
Shealah Craighead/White House
Presidente dos EUA sofreu impeachment enquanto vê Democratas se engalfinharem para decidir candidato em 2020
Outro revés na relação entre Bolsonaro e Trump ocorreu no início de dezembro, quando o presidente norte-americano decidiu sobretaxar o aço e o alumínio do Brasil e da Argentina acusando os países latino-americanos de desvalorizarem suas moedas frente ao dólar, fato que estaria “prejudicando nossos fazendeiros”, nas palavras do republicano.
“Brasil e Argentina estão operando uma desvalorização massiva de suas moedas, o que não é bom para nossos agricultores. Por isso, e com vigência imediata, vou restaurar as tarifas em todo o aço e alumínio que é enviado para os EUA destes países”, escreveu no Twitter.
Ao receber a notícia, a reação de Bolsonaro foi a de consultar o ministro da Economia, Paulo Guedes, e dizer: “se for o caso, ligo para o Trump. Eu tenho um canal aberto com ele”. Horas depois, o presidente brasileiro afirmou não idolatrar o republicano, nem ter amizade com o mandatário dos EUA pois, segundo Bolsonaro, “não frequento a casa dele nem ele a minha”. O direitista também disse não estar decepcionado com Trump, pois ele não havia “batido o martelo ainda” sobre as tarifas aos produtos brasileiros.
Pouco antes do Natal, Bolsonaro disse que Trump havia concordado em não impor as taxas.
‘Pressão máxima’ na política externa
A expressão “pressão máxima” foi utilizada pela diplomacia norte-americana em diversos momentos de 2019 para Venezuela e Irã. No caso do país latino-americano, Trump e seu time de ministros, secretários, agentes, apoiadores e outros funcionários ligados aos EUA reconheceram o deputado Juan Guaidó como presidente interino da Venezuela e apoiaram as duas tentativas de golpe de Estado perpetradas pela oposição ao governo de Nicolás Maduro.
Com diversas sanções que se provaram extremamente hostis ao povo venezuelano, Washington tentou asfixiar a economia do país e financiar a direita nacional, que se mostrou incapaz de sequer encontrar unidade nas pautas.
No Oriente Médio, Trump e Pompeo, o homem da política externa do republicano, também apostaram na tática e “pressão máxima” contra o Irã, nação que representa os interesses contrários aos aliados de Washington na região como Arábia Saudita e Israel.
Após retirar os EUA do acordo nuclear com a República Islâmica em maio de 2018 e restabelecer sanções contra o país que haviam sido suspensas pelo então presidente Barack Obama, Trump trocou ofensas com o presidente iraniano, Hassan Rouhani, e não poupou esforços para aumentar a asfixia econômica contra a nação do Oriente Médio.
Da parte de Washington, houve mais sanções econômicas, ataques cibernéticos e até um ataque militar que foi autorizado pelo presidente norte-americano, mas cancelado 10 minutos antes da execução. Por sua vez, Teerã respondeu com o aumento de taxas de enriquecimento de urânio, apreensão de petroleiro no estreito de Ormuz e derrubada de drone.
Ainda na política externa, os EUA avançaram nas relações diplomáticas com a Coreia do Norte, embora, nos últimos meses do ano, a aproximação entre as duas nações, que atingiu seu ponto mais alto em junho quando Trump visitou o país oriental e cruzou a fronteira entre as duas Coreias, sofreu alguns golpes com impasses nas negociações pela desnuclearização da península e a volta das ameaças feitas por Kim Jong-un e o mandatário norte-americano.
De fato, a visita de Trump e, mais tarde, a segunda cúpula realizada entre o presidente dos EUA e o líder norte-coreano em Hanói, no Vietnã, simbolizaram marcos históricos nas relações diplomáticas entre os dois países. Entretanto, apesar dos esforços diplomáticos, as negociações pela desnuclearização chegaram a um impasse e o encontro de Hanói terminou sem acordo entre os líderes.
Prévias democratas
Dentro das fronteiras, além de enfrentar o processo de impeachment, Trump e os norte-americanos assistiram o começo da campanha para as eleições prévias do Partido Democrata que definirá o concorrente do republicano à presidência dos EUA. Joe Biden, aquele que Trump tentou atingir com investigações contra seu filho Hunter, aparece como favorito na disputa ao lado da senadora Elizabeth Warren.
Ex-vice-presidente durante a gestão de Barack Obama, Biden não teve um ano de glórias. O democrata enfrentou acusações de assédio sexual, o que desgastou um pouco sua campanha nas prévias, mas não o suficiente para desbancar o favoritismo do pré-candidato.
Por sua vez, Warren, uma advogada de 70 anos e senadora pelo estado de Massachusetts, desponta como uma das líderes entre os democratas. Ela disputa um eleitorado mais progressista do partido com o senador por Vermont Bernie Sanders, ambos com plataformas que incluem propostas de sistema de saúde público e educação superior gratuita.