Não é possível compreender a administração das prisões de São Paulo sem olhar as articulações que existem entre o Estado e o mundo do crime. Esta é a análise do pesquisador do Gevac – Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) Felipe Athayde Lins de Melo, que, depois de atuar oitos anos como gestor de políticas penitenciárias, defendeu a dissertação de mestrado “Estado e mundo do crime na gestão da reintegração social”, que deu origem ao livro “As prisões de São Paulo” (Alameda, 238 págs, R$40,00).
“As prisões de São Paulo só são administradas porque existem vínculos muito fortes entre Estado e o mundo do crime. Quem administra o cotidiano do interior de grande parte das unidades prisionais é o crime organizado. O silêncio que vemos nas prisões, mesmo com a situação de superlotação, sem motins ou rebeliões, é porque existe um processo de negociação em vigência”, afirma Athayde Melo, que trabalhou oito anos na Fundação “Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel”.
De acordo com Athayde Melo, o conceito de “articulação” é utilizado para descrever como as relações entre Estado e mundo do crime “se enredam e entrelaçam” para administrar as unidades prisionais.
Das 163 unidades prisionais do estado com mais de 210 mil pessoas presas, diz o pesquisador, praticamente todas convivem com a situação de superpopulação. A exceção são algumas prisões com perfil específico, ou seja, aquelas a que são direcionados presos de alta periculosidade.
Na unidade de segurança máxima Presidente Bernardes, por exemplo, a ocupação das celas não chega a 20% da capacidade. Para Athayde Melo, esta é uma forma de articulação entre o Estado de São Paulo e o mundo do crime para administrar o cotidiano das prisões.
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“Uma situação peculiar é que o Estado, por meio de agentes penitenciários, não chega às áreas de convívio, ou seja, aos pavilhões habitacionais. Quem administra estas unidades são os próprios presos. Mesmo na penitenciária, alguns presos continuam praticando crimes, como o controle do tráfico. Este tipo de preso não é incomodado em momento nenhum pela administração. Eles ficam nas celas, fazendo os negócios, e o Estado não chega a eles de forma alguma”, analisa.
Foto: Edson Lopes Jr./ GESP
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Por outro lado, explica Athayde Lins de Melo, os presos que tentam participar de atividades de reintegração social – como ir a escola, trabalhar ou buscar assistência médica – são abordados todos os dias pelo Estado.
“A escola é vista como o local de maior desconfiança pelas administrações prisionais. O detento para ir à escola precisa ser revistado, muitas vezes nu, entre outras situações de constrangimento. Isso acontece porque os diretores acreditam que, quando se cria uma situação de fuga ou rebelião, as coisas são organizadas a partir da escola. Eles pensam isso pois a escola é pensada ao longo da trajetória do desenvolvimento das prisões como um espaço de ‘libertação das pessoas’”, analisa.
Usando exemplos de experiências que viveu no convívio nas penitenciárias, o pesquisador afirma que essa situação evidencia uma contradição entre o objetivo de reintegração social das prisões – previsto na Constituição brasileira – e a realidade no cotidiano. “Quando pensamos na lógica de que alguém para sair melhor do regime privativo precisa passar pela escola ou trabalhar, vemos que na realidade o que acontece é o oposto: quem quer trabalhar ou estudar são os mais constrangidos e incomodados”, critica.
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O outro lado
Em nota oficial, a SAP (Secretaria de Administração Penitenciária) afirmou “repudiar qualquer insinuação de que o Estado de São Paulo tenha qualquer vínculo com facções criminosas”.
“O combate ao crime organizado é efetuado diariamente em parceria com as Polícias Civil e Militar, grupos de atuação e combate ao crime organizado do Ministério Público, Poder Judiciário e Polícia Federal. São efetuadas revistas frequentemente nas celas e demais dependências de todos os presídios do estado, visando coibir a posse de ilícitos pelos presos. Qualquer servidor que for pego sendo conivente com o crime é submetido a processo administrativo e demitido a bem do serviço público”, diz a nota oficial.
Foto: Edson Lopes Jr./ GESP
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A SAP também explica que está sendo instalado nos presídios que abrigam presos líderes de facções criminosas e nas que possuem presos de alta periculosidade o sistema de bloqueadores de celulares.
“O objetivo é impossibilitar qualquer tipo de contato dos presos com grupos criminosos. Serão abrangidos inicialmente 23 presídios, sendo que a primeira unidade em que foi instalado o sistema foi a Penitenciária II Presidente Venceslau”, afirma a SAP.
Sobre o CRP (Centro de Readaptação Penitenciária) de Presidente Bernades, a SAP afirma que a internação no local “não é ato discricionário da Secretaria da Administração Penitenciária, só sendo permitida por despacho do juiz competente. Trata-se de uma sanção disciplinar em que os presos que lá habitam ficam em celas isoladas, só tendo direito a duas horas diárias de banho de sol, recebendo visitantes de maneira limitada e por curto espaço de tempo. A SAP diz ainda desconhecer os fatos relatados. Segundo a SAP, eles “não condizem com a realidade do sistema prisional paulista”.
As prisões de São Paulo
Editora: Alameda
Número de páginas: 238
Preço: R$40,00
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