Os protestos violentos que estremecem a França há uma semana atravessaram as fronteiras e se espalharam na Bélgica. Desde a morte do jovem Nahel em Nanterre, cidade vizinha à Paris, centenas de adolescentes de bairros desfavorecidos em Bruxelas e Liège foram às ruas se manifestar contra a violência policial.
Uma onda de protestos repercutiu em Bruxelas após a morte do jovem Nahel, de 17 anos, baleado por um policial após furar uma blitz nos arredores de Paris. Os apelos à manifestação foram lançados nas redes sociais, horas depois centenas de jovens de bairros desfavorecidos da capital belga, em boa parte menores de idade, confrontaram com um número massivo de policiais em Anneessens, perto da Grand Place, e próximo à estação do Midi.
Os motins se espalharam por outros bairros da cidade, os bombeiros interviram para apagar incêndios de carros e latas de lixo, o tráfego de ônibus e bondes foi interrompido em algumas partes de Bruxelas. Desde quinta-feira (29/06), mais de 200 jovens foram detidos preventivamente e críticos afirmam que muitas dessas prisões envolvem discriminação racial.
Apesar da amplitude bem menor do que na França, os políticos belgas querem evitar que os protestos se intensifiquem. O primeiro-ministro belga Alexandre De Croo tentou minimizar os tumultos em Bruxelas e negou qualquer ligação com o que está acontecendo na França. Ontem, o prefeito de Bruxelas, Philippe Close, se reuniu com várias associações de jovens e de bairros.
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Jovens de bairros desfavorecidos em Bruxelas manifestam contra violência policial por identificação com Nahel
Revolta de uma juventude sem futuro
O que faz os jovens de bairros desfavorecidos em Bruxelas manifestar é que a história de Nahel poderia ser a história deles também. A identificação pelo fato da ascendência árabe, de terem que lidar com a desigualdade econômica, discriminação racial, negligência social e brutalidade policial. Quando era ministro do interior da França, o ex-presidente Nicolas Sarkozy, chamou os moradores de um prédio de periferia de “racaille”, o que na melhor tradução seria gentalha ou ralé. Na Bélgica, o então secretário de Estado para Asilo e Migração, o deputado Theo Francken, colocou em questão os “valores adicionados” dos marroquinos, argelinos e congoleses na economia belga. Além do racismo, a invisibilização social, o fato de se tornar alguém praticamente invisível, ameaça as minorias na Bélgica. No mercado de trabalho, por exemplo, quem possui um diploma mas não tem origem belga é fortemente prejudicado. A discriminação é traduzida em números pela Actiris, o escritório regional do emprego, a taxa de desemprego é três a quatro vezes maior para afrodescendentes ou pessoas de origem magrebina.
Brutalidade policial
A violência policial é apenas uma face do racismo que está bem presente na Bélgica. Em um relatório do Collectif des Madrés, grupo que defende vítimas jovens de violência policial em Bruxelas, uma testemunha afirma que “o que nos assusta não é que os policiais nos batam, mas que eles nos sufoquem”. “Não é necessariamente com uma joelhada na nuca, mas a técnica de estrangulamento é difundida porque não deixa marcas”, comenta Julia Galaski, fundadora do Collectif des Madrés. Na verdade, a frase de George Floyd “eu não consigo respirar” ressoa em grande parte da juventude desfavorecida de Bruxelas.
Em 2020, o Comitê das Nações Unidas para a Eliminação da Discriminação Racial expressou preocupação com as alegações de violência policial racista e discriminação racial na Bélgica. Relações raciais continuam sendo uma questão delicada na Bélgica, um país que só recentemente começou a lidar com as consequências de sua história colonial.