No programa SUB40 desta quinta-feira (03/06), o fundador de Opera Mundi, Breno Altman, entrevistou a roteirista, diretora e produtora de cinema de arte e ensaio, popularmente conhecido como “cinema independente”, Beatriz Seigner.
Segundo ela, foi durante os governos Lula e Dilma que o audiovisual, de forma geral, “viveu sua era de ouro”, afirmando que, agora, “que a gente percebe isso”. Naquele momento, Seigner opina que se percebeu o quão poderoso era o cinema como ferramenta para “convencer as pessoas do valor que tem o nosso país”.
“Durante os anos PT, tivemos avanços fenomenais e é muito triste pensar que isso está sendo interrompido. Bom, não que estejam interrompidos de fato, mas os de 2018 estão travados. As coisas não andam dentro da Ancine, tentam nos matar por inanição. Ficamos lutando dentro da burocracia”, revelou.
Avaliando as políticas de audiovisual do Brasil, Seigner disse que ainda falta muito, principalmente para incentivar o cinema “independente”, desde a produção até o seu consumo.
“Temos as cotas nos cinemas de filmes brasileiros, mas, quando você vê, o filme brasileiro é quase igual ao blockbuster norte-americano. Precisamos de incentivo às salas de cinema para que passem filmes de arte e ensaio, para que eles não fiquem restritos a cinemas de arte”, reforçou.
A cineasta apontou para o reconhecimento internacional que o cinema brasileiro tem, lamentando que ele não seja tão valorizado dentro do próprio território, principalmente com o boom das plataformas de streaming no país, que não pagam impostos e direitos para os diretores e produtores dos filmes disponíveis em suas plataformas. Atualmente, Seigner contou que a indústria de audiovisual brasileira batalha no Congresso para reverter esse cenário.
Ela comparou o cenário do Brasil com a França, onde existem diversas leis de incentivo à cultura que beneficiam o cinema e estimulam o consumo de cinema de arte e ensaio, inclusive entre jovens. Seu filme Los Silencios, por exemplo, devido ao êxito que teve entre adolescentes, acabou virando material didático, aprovado pelo Ministério da Educação francês: “É impressionante um país que leva a sério a cultura”.
Três longas
Seigner narrou que sua infância foi permeada por cinema. Aos 16 anos, quando era atriz de teatro, produziu, roteirizou e dirigiu seu primeiro curta-metragem. Já mais velha, abandonou o curso de filosofia na Universidade de São Paulo para se tornar cineasta. Aliás, foi durante seu período na universidade que rodou seu primeiro longa: Sonho bollywoodiano.
Reprodução
Cineasta defende políticas públicas que incentivem a produção e o consumo de cinema independente
“Eu tinha pré-aprovado no banco um crédito para comprar um carro. Perguntei para a gerente se precisava provar que aquele dinheiro tinha sido usado para comprar um carro ou se podia usar com outra coisa, e eu podia. Então peguei dinheiro para rodar o roteiro que eu tinha escrito na Índia com três amigas, atrizes, entre 2007 e 2008. Foram 27 mil reais que eu passei dez anos pagando de volta”, rememorou.
A obra, lançada em 2011, foi seu “cartão de entrada”, a partir da qual passou a receber convites para escrever roteiros e participar de outros projetos.
O segundo longa viria bastante tempo depois, porque “demora escrever, captar recursos, montar a equipe”: Los Silencios foi rodado em 2017. A obra de ficção surgiu de uma história contada por uma amiga colombiana da cineasta.
“Minha amiga contou que quando ela imigrou para o Brasil, o pai dela tinha sido dado como morto. Mas a família dela mudava muito de casa e de vez em quando o pai aparecia. E ela não sabia se ele estava se escondendo na casa de tempos em tempos ou se ele estava morto mesmo e era um fantasma. Comecei a escrever aquela história e a gostar dos personagens”, relatou.
Los Silencios contou com um orçamento “de verdade”, de três milhões e meio de reais, “para todo o mundo receber de acordo com os sindicatos”. Além disso, o longa foi exibido no mundo todo. Na França, foi eleito pela juventude como o melhor filme sobre o conflito na Colômbia.
O terceiro longa de Seigner foi lançado em abril deste ano: Entre nós, um segredo, rodado no Mali e Burkina-Fasso. Única obra documental da diretora, o filme acompanha os contadores de histórias da região, que também são intermediadores de conflitos, seja entre governos quanto entre membros de uma mesma comunidade.
“Todos os meus filmes têm um pé na linguagem documental, adoro trabalhar com não atores, explorar as fronteiras da linguagem de ficção, mas esse é o único que um documentário mesmo. E foi o que tive mais dificuldades de fazer e montar. Filmamos em 2014 e entrou nos cinemas este ano”, justificou.
Projetos futuros
Atualmente, Seigner está trabalhando com um projeto novo: “A história de uma mãe solteira que o filho precisa da assinatura do pai para mudar de país, mas ele não conhece esse pai, então vão os dois atrás dele”. O nome provisório da obra é Flamingo Azul, que deve começar a ser rodada no início do ano que vem.
“Também estou trabalhando no roteiro de Enquanto eles dormem, a história de um trisal com filhos em um país super conservador. E também estou desenvolvendo uma série”, revelou.