Teólogo formado, estudante de história na USP e integrante da torcida organizada Gaviões da Fiel, o paulistano periférico Danilo Pássaro, de 30 anos, cobra o compromisso histórico do Corinthians, fundado em 1910 como clube de origem operária, na formação política de sua base de jogadores e torcedores.
“A gente tem que formar politicamente essa molecada. São inaceitáveis casos de racismo com jogadores do Corinthians ou de assédio e estupro por parte de jogadores de futebol. Isso não dá mais para aceitar, e o clube tem que assumir responsabilidade por formar a molecada desde a base”, constatou ele no programa SUB40 desta quinta-feira (10/11), com o jornalista Haroldo Ceravolo Sereza, evocando o legado progressista deixado por ex-jogadores do time como Sócrates, Casagrande e Wladimir e o espírito da chamada Democracia Corintiana.
O torcedor, que esteve presente nos levantes promovidos pela Gaviões da Fiel para desbloquear rodovias interditadas de forma ilegal por manifestantes bolsonaristas, aponta que a maioria dos jogadores “vem de favela, de quebrada, de miséria”, afirmando que, ao enriquecerem “esquecem de onde saíram”.
A tradição de consciência política de atletas como Sócrates se perdeu em tempos mais recentes, na avaliação de Pássaro, filho de migrantes nordestinos que se tornou o primeiro integrante da família a ingressar na universidade pública.
“Infelizmente, os jogadores brasileiros têm se mostrado muito despolitizados e muito pouco compromissados com a conjuntura política do nosso país. Isso também é fruto do sistema capitalista que aparelhou o futebol de uma forma muito aguda”, lamenta, citando os vínculos com empresas patrocinadoras como um dos impeditivos para posicionamentos políticos por parte dos jogadores.
O télogo enumerou eventos históricos, demarcando o contraste com jogadores apoiadores de Jair Bolsonaro do presente, inclusive do Corinthians, recordando que o clube “sempre foi a favor das lutas do povo”. “Temos a imagem dos fundadores do Corinthians na greve de 1917. Tivemos jogo com Palmeiras para arrecadar fundos para o PCB, e no mesmo ano elegemos Luís Carlos Prestes senador e Carlos Marighella deputado”, disse.
Arquivo pessoal
Pássaro recordou que clube ‘sempre foi a favor das lutas do povo’
O torcedor lamenta o fato do Corinthians não ter marcado posição oficial contra a reeleição de Bolsonaro em 2022, e procura interpretar essa opção: “nossa torcida não é homogênea, tem lideranças com diferentes posicionamentos. A atual diretoria entendeu que não tinha que se posicionar, mas é importante dizer que a maior parte dos nossos associados, talvez 80%, se posicionou em favor de Lula, por entender que Bolsonaro representa o oposto de tudo que acreditamos e das nossas tradições”.
Após o resultado eleitoral, Pássaro ajudou a honrar o passado corintiano nos atos de desbloqueio de rodovias. “Achamos necessário o enfrentamento nas ruas. As forças de segurança pública não estavam cumprindo seu papel, então fomos mostrar que tem gente disposta a defender a democracia”, disse.
Na Marginal Tietê, em São Paulo, os corintianos substituíram cartazes golpistas por uma faixa com a inscrição “somos pela democracia”.
Em sua atividade de engajamento político e social, Pássaro participa atualmente da fundação do coletivo antifascista Revolução Corintiana, e integra o instituto Periferia sem Fronteiras, na Brasilândia, fundado no contexto da pandemia como iniciativa formadora e de combate ao avanço por via religiosa da direita e da extrema direita nas comunidades.
“A esquerda não tinha espaço de pertencimento na quebrada. Utilizamos nossos projetos sociais como um instrumento de formação política”, justifica.