Com menos de 10 mil habitantes, o povoado de San Pedro de Atacama é reconhecido como a capital turística e astronômica do Chile. Pelas estreitas ruas de terra cercadas por casas de pedra e barro, devem circular este ano cerca de 130 mil turistas de todo o mundo. O município serve como porta de entrada para uma série de atrativos situados no pedregoso deserto de Atacama, considerado o mais alto e mais seco do mundo, além de ser um dos melhores locais para observação dos astros celestes no planeta.
Vitor Taveira/Opera Mundi
O Deserto do Atacama oferece inúmeras paisagens incríveis
“San Pedro é bem acessível e reúne grande oferta de hotelaria e gastronomia, além de oferecer diversos serviços e facilidades de comunicação, se convertendo no centro logístico da região. Porém o destino final é mais amplo: o deserto de Atacama”, explica Justo Santander, encarregado de turismo do município.
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O turismo em San Pedro de Atacama ganha impulso e se difunde pelo mundo com as descobertas arqueológicas feitas pelo padre jesuíta Gustavo La Paige. Ao chegar no local nos anos 1950, ele somou à sua atuação religiosa o trabalho como arqueólogo e inaugurou em 1957 o primeiro museu do povoado. Hoje, no centro da cidade existe o Museu Arqueológico Gustavo La Paige, que reúne o acervo coletado pelo padre de origem belga. Para visitas em sítios arqueológico se pode realizar tours à aldeia de Tulor e ao Pukará (“Fortaleza”, em quéchua) de Quitor, que apresentam diversas ruínas.
Arquivo Ayllu/divulgação
O fenômeno dos gêiseres é outra grande atração do Deserto de Atacama
Um dos locais mais emblemáticos do deserto é o Valle de la Luna, localizado a 16 km do centro da cidade, que apresenta formações rochosas e uma paisagem que lembra a superfície lunar. Um visual similar também pode ser encontrado no Valle de la Muerte, a apenas 3km de San Pedro, e na Garganta del Diablo. Para passear pelo centro do povoado e por atrações próximas como estas uma opção barata e divertida é o aluguel de bicicletas, oferecido por várias agências. Há também passeios a cavalo, disponibilizados por estabelecimentos como o Rancho Cactus.
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Outra interessante experiência é visitar a Laguna Cejar (a 30 km), uma lagoa de água verde com altíssima salinidade, que, assim como o Mar Morto de Israel, permite que o visitante boie e possa contemplar a bela paisagem ao redor.
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Com alta salinidade, a Laguna Cejar permite ao visitante boiar e admirar a paisagem do deserto
Além disso, o deserto oferece outras experiências únicas, como a visita aos gêiseres de Tatio, onde se pode entrar em piscinas termais. Há passeios que levam para visitar as lagunas altiplanas localizadas a mais de 4.300 metros de altitude e o Salar de Atacama, um deserto de sal. Para quem vai ou vem da Bolívia, é possível conseguir transporte direto entre San Pedro Atacama e o conhecido Salar de Uyuni, que é o maior deserto de sal do mundo e importante centro turístico.
Capital astronômica da América do Sul
A região desértica permite uma deslumbrante apreciação dos corpos celestes durante a noite, devido à pouca iluminação e poluição e altitude e posição geográfica favoráveis. Por estas condições, a 40 minutos de San Pedro foi inaugurado este ano o ALMA (Atacama Large Millimeter/submillimeter Array, em inglês), maior projeto astronômico do mundo, que conta com 66 antenas de alta precisão e deve abrir para visitas em 2014. Os povos milenários da região já realizavam investigações sobre astros celestes, que hoje continuam sendo de grande importância, não só para pesquisa, como para o turismo. Os tours astronômicos no deserto, oferecidos por agências de viagem durante a noite, possibilitam a observação em telescópios acompanhada pelas explicações de guias sobre as descobertas e crenças dos povos atacamenhos, incas, maias e dos astrônomos ocidentais sobre o universo.
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As 16 antenas que compõem o complexo astronômico da ALMA
A oferta de atrativos relacionados com o céu ainda inclui o pequeno Museu do Meteorito. Ele oferece uma experiência sensorial que permite escutar os sons do nosso sistema solar, observar um acervo de dezenas de meteoritos encontrados no deserto e inclusive tocar alguns desses fragmentos de corpos celestes.
Para os mais aventureiros que não se contentam em observar e querem chegar mais perto do céu, uma opção é subir a um dos seis vulcões localizados ao redor da região, com altitudes que podem ultrapassar os seis mil metros. Os passeios duram de 2 a 4 dias e são oferecidos por agências especializadas, que oferecem no pacote os equipamentos necessários para a subida. Outro esporte facilitado nos arredores de San Pedro através dos tours das agências é o sandboarding, aproveitando as montanhas de areia do deserto.
Diversificado
San Pedro oferece opções para todos os gostos e orçamentos. Ponto de passagem de mochileiros, o local possui desde albergues baratos até serviços de luxo – o resort Alto Atacama, localizado no entorno natural do deserto, tem diárias de até 750 dólares por pessoa.
Passeando pelo centro da cidade, diversos negócios como hotéis, restaurantes e lojas levam nomes que se referem à cultura andina, tais como Pachamama, Quéchua, Inti, Warawara. Porém, a culinária é menos local e mais internacional. Um dos estabelecimentos temáticos mais reconhecidos é o Adobe, restaurante com ambiente agradável imitando uma casa andina.
Seguindo essa linha também está o Ayllu. Os ayllus são as pequenas comunidades com laços de parentesco que há milhares de anos fazem parte da organização e modo de vida da população que habita a cordilheira dos Andes. Fazendo alusão a essas comunidades, o Ayllu busca oferecer uma experiência completa para o turista, reunindo alojamento, restaurante e agência de viagem.
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Com um cardápio centrado na comida andina, o Ayllu tem como carro-chefe um prato exótico: a carne de lhama. Outro diferencial é que alguns pratos são cozinhados apenas com a luz solar.
Existe uma forte presença simbólica do sol na região. Na cidade de San Pedro existe até um “solmáfaro”, um sinal que indica a força das radiações ao longo do dia. Outro que se aproveita do astro-rei é o artesão Mario Lupa, que se diz criador da técnica da “lupografia”, utilizando os raios de sol refletidos numa lupa para realizar desenhos em madeira.
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Mario Lupa utiliza a luz solar do deserto para produzir artesanato local
De lembrança de San Pedro, além das experiências memoráveis, o visitante encontra grande diversidade de artesanato andino na Feira Artesanal, localizada no centro, ainda que a maioria dos trabalhos seja importada de países como Bolívia e Peru. Apenas pouco mais afastado, mas muito menos visitado está o Pueblo de Artesanos, que reúne ateliê e loja com artesanatos produzidos ali mesmo por trabalhadores que vivem no local.
“San Pedro atrai muitos turistas por suas paisagens e por ser considerado um lugar místico. Queremos que aqui não seja apenas um lugar de visitas e para tirar fotografia e sim de experiências, onde o visitante adquira uma vivência diferenciada” explica Luiz Carvejal, administrador do Pueblo de Artesanos.
Turismo e comunidade
O turismo cresce a taxas impressionantes em San Pedro de Atacama (38% em médiapor ano) gerando efeitos diversos para a população. Para um pequeno povoado do deserto, o município possui uma boa infraestrutura e serviços básicos de saneamento ou comunicação.
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As ruas de terra marcam o caráter bucólico de San Pedro, a centro logístico para o turismo no deserto
Porém, em poucos anos, o povoado saltou de 2 mil para 10 mil habitantes, modificando a qualidade de vida das pessoas que antes era mais tranquila. O local passou a atrair muita gente de fora, tanto trabalhadores como investidores, sendo que estes dominam os negócios nas principais ruas da cidade, como alerta Justo Santander, enquanto a população local é deslocada para regiões periféricas.
Com uma demanda controlada apenas pelo mercado, o representante municipal de turismo afirma que o governo local tenta atuar com mais força no planejamento turístico. “Analisando as curvas de chegada de turistas ao longo do ano se nota uma melhor distribuição, eliminando as baixas temporadas. Atuando de forma planificada podemos oferecer pacotes especiais para as épocas de menos visitas e distribuir os turistas durante o ano. Além disso, se pode limitar os acessos a certos espaços que já ultrapassam a capacidade do lugar visitado e podem ser danificados pelo excesso de turistas”, explica.
Ele destaca a tendência mundial dos turistas de buscarem não só produtos, mas experiências, o que abre oportunidades para as pessoas originárias do local. “Quem melhor que eles pode contar histórias e transmitir sentido e emoção às pessoas que visitam o lugar?”, pergunta o representante da prefeitura.
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“O turismo chegou pelas paisagens e pelas sensações que se podem sentir nesta zona, não por nossa cultura” enfatiza a educadora indígena Ilia Reyes. Para ela, hoje em dia se vê uma necessidade de turismo cultural e as comunidades estão se revalorizando e reivindicando a administração de seus sítios turísticos. Deste modo, o turismo forma parte do empoderamento das tradições das comunidades locais.
O impacto inicial do turismo na região foi forte, mas ela acredita que, pouco a pouco, a população vai se ajustando à nova realidade. “O atacamenho é uma pessoa que se adapta, e acho que é por isso que seguimos aqui. Realizamos sempre uma interculturalidade, acolhemos o que nos serve, incluímos e avançamos e isso também vem sendo feito com o turismo”, explica.
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Em San Pedro de Atacama é possível encontrar grande variedade de artesanato andino
Tradicionalmente, o povo atacamenho é agricultor e pecuarista, com pouca tradição em produção artesanal para comercialização. Porém, ela cita que hoje pessoas do local realizam cursos com especialistas em design para a produção de artesanato com identidade, valorizando a cultura e os materiais locais.
Para explorar este tipo de turismo relacionado com as comunidades locais é possível visitar pequenos povoados como Machuca e Toconao, que preservam casas com construções tradicionais dos nativos, com possibilidades de alojamento, comida típica e compra de artesanato.
Com tantas atrações distintas e facilmente acessadas, os visitantes podem conferir em San Pedro de Atacama que deserto, definitivamente, não é sinônimo de monotonia, e sim um espaço para experiências novas e diferenciadas.
(*) O jornalista viajou como diretor da expedição Ruta Inka 2013