O programa 20 MINUTOS desta quinta-feira (20/04) recebeu uma convidada ilustre: a jornalista e escritora Cristina Serra, profissional com mais de 20 anos de carreira como uma das mais destacadas repórteres da Rede Globo, e que também foi correspondente internacional e colunista da Folha de São Paulo. Atualmente, ela é comentarista de política do ICL Notícias.
Como escritora, ela lançou recentemente o seu terceiro livro: “Nós, sobreviventes do ódio – Crônicas de um País Devastado”, pela Editora Máquina de Livros. A obra reúne textos publicados na grande imprensa sobre o avanço do ódio político e social no Brasil durante o governo de Jair Bolsonaro. Esse avanço do ódio também foi o tema da entrevista com o jornalista Breno Altman.
Logo na primeira pergunta, Cristina analisa a origem do ódio social no Brasil, lembrando que “é um país erguido sobre uma base estrutural de exploração, violência e subjugação de enormes contingentes humanos, estamos falando das populações indígenas e dos escravizados. A partir dessa base, nós temos ao longo da nossa história períodos de maior autoritarismo períodos de respiro democrático, até que chegamos à nossa história contemporânea na ditadura de 21 anos, que deixou um estrago que até hoje repercute entre nós”.
“O assassinato da Marielle Franco aconteceu em março de 2018, naquele momento nós já estávamos no processo de fermentação do ódio, dessa onda mais recente que começou lá atrás, desde a Lava Jato. Logo depois, o Lula seria preso por uma decisão do STF tomada sob a pressão de um tuíte do general Villas-Bôas ameaçando a corte”, lembrou.
Amazônia Real
Cristina Serra lançou recentemente o livro ‘Nós, sobreviventes do ódio – Crônicas de um País Devastado’
Segundo a jornalista, “o assassinato da Marielle já é o resultado de um processo de ódio que estava em plena ebulição, e ele acordou muita gente, que começou a perceber, a partir de então, a dimensão o que estava acontecendo. Eu mesma, no começo daquele ano, achava que o Bolsonaro, que já era candidato, teria menos de15% dos votos, não chegaria nem no segundo turno”.
Sobre o papel das redes sociais na disseminação do ódio, Cristina acredita que “é delicado falar sobre esse assunto porque se você defende a regulamentação dessas plataformas aparecem as críticas dizendo que isso é uma defesa da censura, mas isso é balela. Eu não sou a favor da censura, eu sou jornalista e preciso da liberdade de expressão, mas é preciso que as pessoas compreendam que liberdade de expressão não é liberdade de cometer crimes, você não pode se valer do escudo da liberdade de expressão para realizar crimes, que é o que acontece nas plataformas digitais em muitos casos, e não somente na ‘deep web’, você vê isso abertamente em algumas plataformas conhecidas que não escondem isso”.
Cristina também falou sobre como ela imagina que o Brasil poderia superar essa cultura do ódio. “Em primeiro lugar, temos que ter apreço pela memória, porque foi justamente a falta de compromisso com a memória naquele momento em que saímos da ditadura para a democracia, e não termos feito naquele momento a Comissão da Verdade, que só foi feita tardiamente, em 2012, pela Dilma (Rousseff), exatamente por isso a sociedade brasileira não pode se defrontar com os horrores da ditadura”.
“Eu gosto do exemplo da Argentina porque acho exemplar a forma como esse país expurgou esses horrores, porque isso significa a sociedade se olhar no espelho e perceber que os seres humanos são capazes de monstruosidades. O que é mais complexo ao se tratar o tema da tortura é entender que ela é feita por seres humanos. Então o processo argentino é didático porque ele revela os horrores, leva os seus autores ao banco dos réus e os condena. Quando isso acontece, é como fazer uma sociedade tomar uma vacina para que isso nunca mais aconteça, e isso faltou no Brasil”, acrescentou Cristina.