No programa 20 MINUTOS ENTREVISTA desta sexta-feira (06/05), o fundador de Opera Mundi, Breno Altman, entrevistou a jornalista inglesa Jan Rocha, que trabalhou como correspondente internacional no Brasil para a BBC e o The Guardian durante a ditadura militar (1964-1985).
A repórter lamentou que o passado esteja se repetindo e que os militares tenham voltado a formar parte do governo. “É resultado da lei da Anistia, os militares nunca tiveram que prestar contas. Só que agora, em vez de um golpe como o de 1964, com tanques na rua, está havendo um golpe ‘pingado’, a conta gotas”, avaliou.
Por mais que devam existir dissidentes, da mesma forma que existiram na época da ditadura, Rocha disse acreditar que o “partido militar” está praticamente inteiro fechado com o presidente Jair Bolsonaro.
“Se durante a ditadura dissidentes eram punidos, hoje com certeza o mesmo deve ocorrer, então não sabemos. Mas em qualquer grande massa de gente há aqueles que pensam diferente. Ele não se manifestam talvez por medo ou talvez porque o silêncio deles é comprado por regalias. Eles estão sendo comprados, mas deve ter quem não concorde”, ponderou.
Rocha identificou diversos comportamentos dos anos de chumbo que estão se repetindo, por exemplo com a censura, que agora se manifesta de forma mais sofisticada. Em vez de ter de submeter suas letras, peças, entre outras obras à polícia, os artistas estão tendo recursos negados.
Outro exemplo citado por ela foi a gestão da Amazônia, herdeira da política dos anos 1970 e 80: “os militares falam de ocupar a Amazônia por uma questão de soberania nacional, mas só querem uma desculpa para sua presença ali. Na verdade, com isso é o Brasil quem passa a representar uma ameaça para o mundo porque não defender a Amazônia contribui para mudanças climáticas que vão afetar o mundo todo, inclusive o Brasil. É uma espécie de suicídio”.
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Rocha foi correspondente no Brasil durante a ditadura militar (1964-1985)
De acordo com ela, em parte a situação chegou ao que é hoje por omissão da imprensa, por colocar Bolsonaro como um oposto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como se fossem dois extremos, contribuindo para a desinformação da população. “A imprensa falhou e ainda falha”, reforçou.
Guerra na Ucrânia
Rocha também refletiu sobre a forma como a imprensa vem abordando o conflito na Ucrânia. Ela lamentou que se esteja voltando a comprar o discurso de Guerra Fria, sendo que já não existe mais nem a União Soviética nem um bloco socialista na Europa.
“Não sei porque as pessoas preferem engolir isso quando a gente vê o crescimento de partidos neonazistas e movimentos extremistas”, lamentou.
Entretanto, ela elogiou a postura da imprensa ocidental de ser favorável à Ucrânia, “porque quem invadiu foi a Rússia”, ainda que seja necessário ter uma perspectiva mais ampla das razões de Moscou e conhecer sua história.
“Falta perspectiva. [Vladimir] Putin é um ditador e isso não é levado em conta. Tenta-se equilibrar as bases falando do avanço da Otan e não é bem assim. Também acho que falta uma campanha e um esforço para efetivamente acabar com a guerra”, sublinhou.
Nascida no início da Segunda Guerra Mundial, a jornalista retomou os bombardeios a Dresden, na Alemanha, e as bombas atômicas contra o Japão, ações militares justificadas para acabar com a guerra e que levaram à morte milhares de civis. Segundo ela, a Rússia está fazendo algo semelhante, “matando e invadindo” para evitar uma possível invasão da Otan “que nem aconteceu”.
“Inclusive discordo de Lula quando ele diz que [Volodymyr] Zelensky [o presidente ucraniano] também tem culpa porque há um expansionismo russo de querer que a Ucrânia volte a formar parte de seu território. A Otan não invadiu ninguém, não se pode trabalhar com essa hipótese. E há um exagero sobre o Batalhão Azov e o discurso de desnazificação”, ressaltou.