Dedicado à escrita ficcional nos últimos 11 anos, o jornalista Bernardo Kucinski afirma que a distopia que descreve em A Nova Ordem (ed. Alameda, 2019) e no novo O Colapso da Nova Ordem (da mesma editora) é real e veio para ficar.
“Infelizmente, não é uma coisa pequena e episódica que está acontecendo. Conseguimos estancar o bolsonarismo no Brasil, mas talvez isso não consiga fazer frente à onda mundial de extrema direita”, afirmou em entrevista a Haroldo Ceravolo Sereza, no programa 20 MINUTOS desta sexta-feira (18/11).
Escrito antes da eleição de Jair Bolsonaro, A Nova Ordem abordou uma visão de futuro próximo que rapidamente o governo de extrema direita tornou real no Brasil.
“Em A Nova Ordem, meio que adivinho as maldades todas que Bolsonaro acabou fazendo. Desenho uma sociedade totalmente autoritária, que implanta uma economia neoliberal coercitiva, extingue todos os Ministérios sociais, do trabalho e da indústria, proíbe as indústrias e assume o país como uma colônia exportadora de matérias-primas”, descreve.
Agora, em O Colapso da Nova Ordem, Kucinski se concentra na pandemia de covid-19, que continua a impressioná-lo: “estamos no terceiro ano da pandemia e voltam a aumentar as mortes em vários países e também no Brasil, embora se esteja falando muito pouco sobre isso”.
Na trama, com a pandemia, a Nova Ordem se atrapalha em seus mecanismos, gera tensões internas e acaba colapsando.
Kucinski identifica nos Estados Unidos e em Donald Trump o modelo dispersor para o fenômeno que se espalham por países como Hungria, Israel, Itália e os países nórdicos: “é um tipo de fazer política com inspiração fascista, mas valendo-se de recursos que não existiam na época do fascismo. O nazismo usou muito o cinema para influir na mente das pessoas, e agora estamos vendo o uso das fake news e das redes sociais com o mesmo propósito com que os nazistas usaram o cinema”.
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Escritor identifica uso das fake news e das redes sociais com o ‘mesmo propósito com que os nazistas usaram o cinema’
O escritor formula sua conclusão, desculpando-se pelo pessimismo: “não sei quanto tempo vai durar, mas penso que é um fenômeno que veio para ficar por alguns anos”.
Neste final de ano, o escritor é finalista ao Prêmio Jabuti, na categoria de contos, por A Cicatriz e Outras Histórias (Alameda, 2021). “Meu forte na ficção é o conto, é o gênero no qual me sinto bem. O conto tem que ser um nocaute, curto e grosso, não deve conter elementos desnecessários”, ensina.
Professor aposentado da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP), Kucinski afastou-se do jornalismo nos últimos anos, em favor da literatura. “Quando vi que tinha virado escritor, me senti muito bem e resolvi não voltar mais ao jornalismo. Não sou mais jornalista”, decreta.
A pedido do diretor de redação de Opera Mundi, Kucinski traçou perspectivas para a democratização da mídia no novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva. “Você não torna democrático um jornalista ou empresa que não é democrata. O papel do governo tinha que ser de democratizar não a mídia, mas o mercado. Ou, melhor dizendo, regular o mercado como ele é regulado em países mais avançados”, argumenta.