No programa 20 MINUTOS ENTREVISTA desta sexta-feira (09/07), o jornalista Breno Altman entrevistou a coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Sonia Guajajara, sobre a atual situação dos povos originários.
De acordo com ela, não só o atual governo não tem nenhum interesse em seguir com a demarcação de terras, como “Bolsonaro ataca indígenas em todas as frentes”. O que é problemático, não apenas pela situação dos próprios povos e seus modos de vida, como “impacta diretamente o meio ambiente”.
“Conformamos 5% da população mundial e protegemos 82% da biodiversidade viva no mundo hoje. As áreas indígenas estão preservadas por conta do nosso modo de vida e a relação que temos com o meio ambiente, não porque existam políticas públicas efetivas de proteção ambiental. Se os nossos direitos estão ameaçados, a biodiversidade está ameaçada e aí o mundo todo corre risco”, enfatizou.
A coordenadora listou alguns dos ataques promovidos por parte do governo contra a população indígena e que, no longo prazo, podem prejudicar o meio ambiente, pois visam atender os interesses “da bancada da bala, da bíblia e do boi”.
O que é o marco temporal?
Por exemplo, há no Supremo Tribunal Federal a discussão sobre o marco temporal e o julgamento da ação movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng sobre a reintegração de posse do território indígena Ibirama-Laklãnõ.
“O marco temporal é o tempo que delimitam para reconhecer os territórios indígenas. Ou seja, só querem reconhecer como terra indígena aquelas em que seja possível comprar a presença indígena física naquela área a partir de 5 de outubro de 1988, quando foi promulgada a nossa Constituição que determinou o dever da demarcação dos territórios indígenas. O que está para trás, o marco temporal desconsidera, ignorando a tradicionalidade das terras indígenas”, explicou Guajajara.
Para ela, essa medida é “inaceitável” também porque muitos dos povos foram expulsos de suas terras pelo próprio Estado, em associação com grileiros, “então como vão provar que estavam ali no dia 5 de outubro de 1988?”.
No entanto, caso o povo Xokleng ganhe o processo, ele serviria de orientação jurídica para a demarcação de terras a nível nacional: “O futuro da demarcação de terras no país agora depende do STF”.
Outro ataque citado pela coordenadora da APIB é o projeto de lei 490, cuja tramitação foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça, em 23 de junho. Segundo Guajajara, trata-se de um pacote de medidas “anti-indígenas, antiambientais e anti-direitos humanos”. A PL junta 13 projetos de lei que antes estavam separados e que não caminhavam. Um deles é o próprio marco temporal.
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Guajajara listou alguns dos ataques promovidos por parte do governo contra a população indígena
“Também inclui a PEC 215, que transfere a competência de demarcação de terras indígenas do Executivo para o Legislativo. Ou seja, transfere para o Congresso. E toda demarcação de terras tem que acontecer por meio de um projeto de lei. Nunca mais se demarca terra indígena no país com uma medida dessas”, criticou.
A nível imediato, o governo Bolsonaro também se demonstrou um empecilho no combate à pandemia nos territórios originários, “porque a gente publicava uma carta de cuidados e recomendações e ele vinha a público dizer o contrário, confundia as pessoas”. Além de ter permitido à Fundação Nacional do Índio (Funai) facilitar a entrada de missionários evangélicos em comunidades isoladas.
“É um absurdo. Tudo o que a gente faz é para evitar o contato, para que eles mantenham sua forma de vida, aí permitem a presença de missionários nesses grupos. É abusivo e inaceitável”, reforçou.
Voz e voto
Guajajara refletiu sobre aquilo que considera necessário para fortalecer a luta da comunidade indígena. Do ponto de vista da imprensa tradicional, ela lamentou que, apesar dos esforços de tentar alcançar jornalistas para promover os povos originários de forma positiva, por meio da cultura, por exemplo, “o que pega é quando tem uma desgraça, um ataque, um confronto com a polícia”. Por outro lado, a imprensa de esquerda “tenta”, mas ainda é insuficiente.
Do ponto de vista da política, ela foi taxativa: “Votar em candidatos indígenas é importante“. “Dizem que apoiam, mas chega na eleição e apelam pro tal do voto útil”, disse. Principalmente porque, a nível administrativo, “nunca fomos prioridade para nenhum governo”, nem para os petistas, ela ressaltou, “apesar de que não tem como comparar Lula e Dilma com Bolsonaro”.
Caso se eleja um novo governo de esquerda, a coordenadora da APIB afirmou que é preciso garantir acesso à política para os indígenas, que participem da construção política.
“Não é só colocar a gente para ocupar um espaço sem autonomia, sem as condições adequadas. Queremos participação na construção e participação transversal em toda a estrutura do governo. Gestão dos territórios indígenas, demarcação e proteção”, ressaltou.