No programa 20MINUTOS ANÁLISE desta terça-feira (27/07), o jornalista e fundador de Opera Mundi, Breno Altman, abordou o conceito de “republicanismo” e as consequências práticas de sua adoção pela esquerda brasileira.
“Republicanismo, no fundamental, é uma herança do pensamento liberal de que o Estado, ao menos no modelo democrático-representativo, é neutro ou deveria sê-lo”, iniciou o jornalista.
Nessa lógica, segundo ele, o poder público teria duas dimensões. A primeira seria o espaço para a disputa entre as classes e partidos, ou seja, as instituições do Estado cujo comando seria decidido por eleições. A segunda estaria formada por instituições supostamente permanentes, como o Poder Judiciário, o Ministério Público, a polícia, as Forças Armadas, entre outras, que deveriam garantir a neutralidade do Estado frente ao conflito político-social e que, portanto, precisariam ter sua autonomia preservada.
O jornalista expôs a contraposição entre essa concepção liberal e o marxismo, que considera todo Estado como uma ditadura das classes hegemônicas, não importa se sob a forma de um regime democrático ou autoritário, de modo que nunca seria neutro, mas sempre um instrumento de dominação. Na sua opinião, frente a essa bifurcação, “a esquerda precisaria romper com o contrato liberal”.
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‘Republicanismo, no fundamental, trata-se de uma herança do pensamento liberal de que o Estado é neutro ou deveria sê-lo’, disse Altman
‘Contrato liberal’
“Quando a esquerda aceita o contrato liberal, também chamado de ‘republicanismo’, o Estado permanece praticamente intocado como instrumento de dominação, ainda que sob um governo de esquerda. Pior ainda quando esse governo não tem maioria parlamentar. As demais instituições de Estado, especialmente o Poder Judiciário, o Ministério Público, a polícia e as Forças Armadas, mancomunadas com a mídia monopolista, o chamado quarto poder, podem tornar a vida desse governo um inferno e derrubá-lo, a despeito da soberania popular, do voto”, enfatizou.
Na opinião do jornalista, “provavelmente jamais houve, em toda a história, um partido tão ‘republicano’ e tão politicamente ingênuo, com tanta ilusão no Estado burguês e seu suposto caráter democrático, quanto o PT”. Justificou essa conclusão com vários exemplos, como a nomeação do procurador-geral da República pela escolha do mais votado de um listra tríplice da própria corporação, mesmo que não haja qualquer previsão constitucional a respeito.
Um caso de ruptura com essa lógica, para Altman, é a Venezuela, onde o chavismo, sempre impulsionando mobilizações populares e contando com maioria parlamentar, “tratou de colocar todas as instituições do Estado, absolutamente todas, sob o comando do projeto eleito pelo povo, incompatível com o velho Estado oligárquico-burguês”.
“O chavismo fez e faz aquilo que o revolucionário italiano Antonio Gramsci chamou de disputa por hegemonia, como estratégia alternativa às revoluções disruptivas como a russa”, ressaltou.
Futuro
No entanto, de acordo com Altman, uma nova chance parece estar se aproximando e “é necessário travar esse debate para que a esquerda não incorra nos mesmos e fatais erros”.
“É vergonhoso quando petistas criticam Bolsonaro por indicar o atual procurador-geral para novo mandato em desrespeito à lista tríplice. Quer dizer que, na opinião desses petistas, se o partido voltar ao governo, voltará junto a obrigatoriedade da lista tríplice, a autonomia antidemocrática do Ministério Público? Seria um desastre absoluto”, criticou.
A crítica ao “republicanismo”, porém, vai além, valendo para a forma como reagem certos contingentes de esquerda à ações como a queima da estátua de Borba Gato, quando muitos criticaram a “violência” do ato.
“O ‘republicanismo’, para além de contrato liberal, vira uma moral aveludada, domesticada, burocrática, cuja consequência é o cenário há muito tempo narrado por um ex-parlamentar petista: eles vêm de Chicago, mas nós nos comprometemos a responder com Woodstock”, ponderou.
O jornalista reforçou que essas polêmicas e outras precisarão ser abordadas “com muito cuidado e rigor” antes das eleições de 2022, pois a influência das ideias liberais “provocam danos à esquerda, em especial ao PT”.
“O objetivo dos partidos socialistas não é ganhar eleições, esse é apenas um meio, não um fim em si mesmo. A razão de ser dessas organizações é, ou deveria ser, a transformação social, a passagem do poder de Estado às classes trabalhadoras, a construção de uma nova civilização. E isso não se faz sucumbindo à ideologia dominante, em qualquer de suas variáveis, cuja lógica, na melhor das hipóteses, é aceitar que algo mude para tudo ficar como está”, concluiu.