No programa 20 MINUTOS ENTREVISTAS desta quarta-feira (13/04), o jornalista Breno Altman entrevistou a socióloga e secretária de Relações Internacionais do PCdoB Ana Prestes, que foi organizadora e coautora do livro 100 anos da luta das mulheres pelo voto, por ocasião do centenário da fundação da primeira organização sufragista brasileira, a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino.
O direito ao voto em si, e de se candidatar a cargos políticos, foi conquistado dez anos depois, em 1932, durante o governo de Getúlio Vargas, graças a intensas articulações das sufragistas brasileiras, como narrou a socióloga — ao contrário do que pensam alguns que atribuem a conquista a uma jogada política do então presidente.
“Não foi uma luta fácil. Naquele momento foi possível porque muitas mulheres participaram da Revolução de 30 e tinham acesso a parlamentares mais sensíveis à causa, era uma forma mais palaciana de fazer política, mas desde o século 19 já havia a tentativa de incluir o direito ao voto das mulheres”, explicou.
Entretanto, por mais que o Brasil não tenha sido o último dos países a adotar o voto feminino, segue até hoje como uma das nações com menor índice de participação de mulheres em cargos políticos. Ao contrário da Argentina, que adotou o direito já no final da década de 1940, mas que conta com uma participação feminina relevante na política.
“Em 2020, quase 90 anos depois de começar a votar, somente 12% dos prefeitos e prefeitas eleitos eram mulheres e apenas 16% de todos os vereadores e vereadores do país eram mulheres. Só temos duas governadoras. A gente criou a política de cotas de 30% e os partidos foram e aumentaram o número de candidatos. Até 2002 não havia banheiro feminino no Senado. O nosso sistema eleitoral é complicado e montado para quem já tem poder e tem dinheiro. A exclusão das mulheres está em todos os níveis da política”, lamentou Prestes.
Ela citou, como outro exemplo, a questão dos financiamentos de campanha. Disse que entre 2014 e 2018, após o TSE proibir o financiamento empresarial de candidaturas, houve um salto na quantidade de mulheres eleitas. Mesmo assim, a socióloga, que chegou a ser candidata a deputada federal pelo PCdoB em 2018, afirmou que o acesso às verbas do partido é difícil e cheio de entraves “que passam por coisas como o horário da reunião, o formato, se as mulheres que são mães são acolhidas. Esses lugares de tomada de decisão não são acessíveis para nós”.
Do século 19 à atualidade
Ainda que falte muito para que as mulheres estejam plenamente incluídas na política, a luta pelo direito feminino foi uma conquista extremamente importante. Prestes retomou sua história a nível mundial e para os movimentos de esquerda.
Ela considera que Olympe de Gouges foi uma das primeiras figuras a apresentar o voto feminino como um tema relevante, mas o movimento sufragista tal como o conhecemos, e que influenciou a luta das mulheres brasileiras, veio principalmente da Europa e dos EUA. Entretanto, a Nova Zelândia foi o primeiro país a adotar o voto feminino.
Reprodução/Facebook
Ana Prestes foi a entrevistada desta quarta (13/04) do programa 20 MINUTOS
Com relação à luta, “sabemos que a história das sufragistas é também uma história de luta interna dentro do feminismo”. Ainda que a reivindicação unisse mulheres de diferentes visões políticas, “predominava nesse aspecto um movimento liberal de mulheres burguesas, que permeou toda a história do sufragismo, inclusive no Brasil: havia aquelas que queriam votar apenas pelo voto, sem se atentar a lutas de mais profundidade, e mulheres trabalhadoras que, ainda que reivindicassem a pauta, também estavam à frente de outras demandas”.
Aliás, ainda que o movimento sufragista tenha aparentemente um caráter burguês, Prestes afirmou que sua natureza era inclusive anterior ao trabalho: “a antessala dessa luta foi o abolicionismo e a luta pelo acesso à educação, inclusive no Brasil”.
Lei Saraiva
Aqui, Prestes afirmou que se pode falar em movimento sufragista a partir de 1880, com a Lei Saraiva, que em teoria permitia a qualquer pessoa com um diploma de Ensino Superior a votar e se candidatar a cargos políticos, levando às primeiras mulheres que tentaram explorar essas brechas. Oficialmente, contudo, em 1910 “começa para valer” o sufragismo no Brasil, com organizações e documentos voltados para o objetivo do direito ao voto.
A demanda não era bem vista nem mesmo em partidos de esquerda, apesar de que, nesse caso, como ela explicou, a questão era que “o movimento comunista via outras pautas como prioritárias, então não era fácil ser mulher nem nos partidos que lutavam, no final das contas, pela emancipação das mulheres”.
Por mais que tenha sido um movimento predominantemente burguês, como reiterou a socióloga, houve tentativas de radicalizar a luta e de questionar a quais mulheres realmente serviria o direito ao voto. Prestes citou Almerinda Gama, uma mulher negra, datilógrafa e importante liderança sindical. Ela tentou ser constituinte, participando da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, mas não conseguiu. “Quando deixa a organização, ela diz justamente que não tinha o tempo que aquelas mulheres tinham, nem a roupa que elas tinham, o que mostra a questão racial e de classe que permeava o movimento, a exclusão de mulheres negras e trabalhadoras.”
Atualmente, o cenário, ainda que distante do ideal, é outro, principalmente na esquerda, que conseguiu eleger à Presidência da República uma mulher, Dilma Rousseff e que desde 2010 vem apresentando candidaturas femininas para a chapa presidencial.