A historiadora Isabel Lustosa disse no programa 20 MINUTOS desta quinta-feira (08/09) que a independência do Brasil foi um movimento das elites que deu sobrevida à monarquia portuguesa e garantiu a integridade da ex-colônia em torno de um projeto de nação territorialmente unificada.
“Não houve um movimento nacional para libertar o Brasil. Ao contrário, foi um movimento das elites, com os interesses portugueses muito prejudicados com a abertura dos portos. O fim disso é uma quebra fatal na economia portuguesa, da qual Portugal nunca vai se recuperar”, afirmou em entrevista ao jornalista Breno Altman.
Para a historiadora, Dom Pedro I protagonizou a transição do antigo regime para a era moderna tanto pelo lado brasileiro quanto pelo português, num período dramático iniciado com a independência dos Estados Unidos e a Revolução Francesa.
“Ele foi um legitimista que lutou pela legitimidade de seus herdeiros no Brasil e em Portugal, e foi um constitucionalista que deu Constituições ao Brasil e a Portugal”, disse Lustosa. Dom Pedro I foi bem-sucedido, em sua visão: “Brasil e Portugal entraram na era do constitucionalismo pelas suas mãos, e a dinastia Bragança teve quase um século de sobrevivência”.
Nesse processo, reuniram-se condições para que o Brasil permanecesse unificado territorialmente, enquanto a América hispânica se fragmentava em diversas repúblicas. “Há um conjunto de fatores que manteve o Brasil íntegro, mas o fundamental foi a vinda do rei e, depois, a permanência de Dom Pedro e a adesão dele, aí sim, à causa do Brasil”, resume Lustosa.
Ela critica a interpretação tradicional de que a independência brasileira teria acontecido sem violência. “Agora é que se diz que a violência foi de quem queria fazer a independência. Era Dom Pedro que queria a independência e contratou mercenários para sufocar a rebelião do norte”, destacou.
Lustosa distingue a história da nação brasileira, projeto conduzido pelas elites, da história do povo brasileiro, que não necessariamente acompanha a primeira e deveria ser mais estudada. “Para unificar o Brasil, foi preciso usar a força contra os rebeldes do norte. Houve violência, sim, mas ela atingiu determinados grupos, como atingiu nas várias guerras da Regência e na Guerra de Canudos. As rebeliões populares foram sempre sufocadas com grande violência.”
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Para a historiadora Isabel Lustosa, Independência do Brasil foi um movimento das elites
A figura de Napoleão Bonaparte, morto em 1821, exerceu grande fascínio sobre Dom Pedro I, que a professora descreve como um “príncipe moderno”. Pedro se casou com Maria Leopoldina, irmã de Maria Luísa, segunda esposa de Napoleão, e mais tarde com Amélia, neta de Josefina, primeira esposa do líder francês.
“Com a morte de Napoleão, há um verdadeiro culto, que chega à apoteose com a revolução de 1830 na França. Dom Pedro chega a Paris por cima da carne seca em 1831. É recebido com glórias, porque saiu daqui como déspota e chegou como príncipe constitucional”, narra.
Lustosa considera que a Inconfidência Mineira, debelada em 1789, foi igualmente um movimento de representantes de elites: “Eram de setores médios porque eram brasileiros, e os cargos médios eram de brasileiros. Mas o único classe média ali foi logo enforcado e esquartejado. Tiradentes serviu de exemplo para os outros da mesma categoria não se meterem”.
Paralelamente ao prolongamento da monarquia, prolongou-se também a escravização no Brasil, na leitura da historiadora, que lembra que a palavra “escravidão” não apareceu na Constituição de 1824 e foi substituído pelo termo “trabalho”.
“Esse silêncio embute uma estratégia das elites no sentido de manter o discurso liberal e adotar uma prática muito pouco liberal.” Depois da queda de Dom Pedro, a imprensa da regência trabalhou para justificar escravidão como necessária, útil e civilizadora. “As elites foram dando um jeitinho”, sintetiza.