Iniciando a programação especial do 20 MINUTOS na semana do Bicentenário da Independência, o historiador e professor Jobson Arruda conversou com o jornalista Breno Altman nesta segunda-feira (05/09), e afirmou que os projetos imperiais da Inglaterra abriram caminho para o rompimento entre Brasil e Portugal, em 1822.
Em sua interpretação, a independência dos Estados Unidos, em 1776, ajuda a explicar a movimentação do Reino Unido, então em conflito com a França de Napoleão Bonaparte.
“O Brasil se transformou numa colônia algodoeira em substituição aos Estados Unidos, transformando-se, portanto, numa colônia informal da Inglaterra”, diz. “O Brasil se transformaria num laboratório das novas práticas econômicas da Inglaterra, ligadas à Revolução Industrial. Virou o ponto de partida onde se planeja toda a dominação britânica no século 19.”
Autor do livro Planos para o Brasil, Projetos para o Mundo – O Novo Imperialismo Britânico e o Processo de Independência (1800-1831) (ed. Alameda), o professor classifica a Convenção Secreta sobre a Transferência da Monarquia Portuguesa para o Brasil, assinada pela Inglaterra e Portugal em 22 de outubro de 1807, como o documento mais importante para compreender aquele momento. Ele lamenta que seja um documento largamente esquecido por historiadores portugueses e brasileiros.
“O Brasil é fundamental para fornecer manufaturas para a indústria têxtil. Para onde iam as exportações das fibras de algodão do Brasil? Iam para Portugal, entravam na França pelo comércio dos países neutros e entravam na Inglaterra pela mesma via”, descreve, inteprretando que a abertura dos portos brasileiros estava prevista na convenção secreta.
Nesse processo, a Inglaterra abandonava o conceito de domínio territorial sobre as colônias e passava a considerar a possibilidade de manter relações econômicas que não exigissem a dominação direta e específica: “Seria melhor para os ingleses estabelecer conexões pacíficas com as colônias e assim estabelecer um comércio que as favorecesse, substituindo a antiga exploração colonial lusa por uma nova exploração, americana, num contexto renovado, o da industrialização”.
Rafael Viana/SCS-FFLCH-USP
Jobson Arruda afirma que Brasil se transformou em ‘colônia informal da Inglaterra’
Portugal mantinha, então, relações de neutralidade com a Inglaterra e com a França, o que beneficiava a corte real por ambos os lados.
“O que convinha a Portugal? Aderir à França e perder o comércio todo que tinha com a Inglaterra? Aderir à Inglaterra e perder todo o comércio que tinha com a França?”, pergunta o historiador. “Não, a Portugal não interessava nenhuma das duas coisas, mas sim manter uma neutralidade fictícia, porque não era neutro quem levava produtos da colônia e abastecia os países da Europa. O príncipe-regente Dom João era a essa altura o maior trader da Europa, à medida que fazia comércio com todos os países envolvidos no conflito.”
À Inglaterra, em contraponto, interessava forçar Portugal a romper a neutralidade e se tornar aliado declarado. “Qual era o problema de Portugal? Se fizesse isso, a França invadia, como de fato acabou invadindo”, diz.
Com a Convenção Secreta, a família real portuguesa se transferiu para o Brasil, em 1808, elevando a colônia à condição de reino unido a Portugal e Algarves. “Para a Inglaterra abrir mercado, se tornou fundamental abrir os portos no Brasil. Como faz isso? Levando a família real para que ela abra os portos e a Inglaterra possa colocar lá suas mercadorias”. Com os portos abertos no Brasil, afirma, a indústria têxtil entrou em colapso em Portugal.
“A colônia, em termos econômicos, não está em crise, está em franco desenvolvimento, resulta da diversificação da sua exportação agropastoril. Não é uma conjuntura de depressão econômica, é de prosperidade”, observa.
“Nesse momento, o Brasil virou um reino mais importante que o reino que estava em Portugal, porque se tornou sede do império”, conclui Arruda. “A presença da família real transformou o Rio de Janeiro na capital do novo império americano, assumido pelo príncipe-regente Dom João, mas planejado fora do Brasil, pelos britânicos.”
Todo esse contexto foi determinante para a continuidade do sistema escravista até 1888 no Brasil.
“Dom João se sentia constrangido, porque não lhe agradava a escravidão, mas não podia fazer nada nesse momento. A população livre teve uma força muito importante, infelizmente pouco conhecida, no movimento da Independência. Essa é uma dívida que a historiografia ainda tem para com esses estratos ditos baixos da sociedade”, afirma Jobson Arruda. Silenciosamente, os ingleses sustentavam a permanência escravista: “Apoiavam, porque sabiam que se aqui se extinguisse a escravidão de uma hora para outra haveria um colapso, e haveria um rebote na Inglaterra”.