A economista Juliane Furno conversou com o jornalista Breno Altman no programa 20 MINUTOS desta segunda-feira (08/08) e defendeu que os pensadores marxistas brasileiros ocupem espaços de debate e formulação de política econômica, atualmente polarizados pela rivalidade entre liberais e keynesianos.
“Em alguma medida, vão ter que colocar o pé na porta, porque já se construiu uma cultura de que os marxistas são radicais demais, no sentido de que não teriam capacidade ou instrumentos ou condições de pensar também a gestão da política econômica”, pondera.
A marginalização do pensamento econômico marxista corresponde, segundo ela, a uma interdição sutil, mas respaldada pelo relativo recolhimento de economistas filiados ao ideário desenvolvido por Karl Marx (1818-1883) na disputa efetiva das políticas públicas e econômicas.
“Nós, marxistas, optamos por fazer pesquisas só teóricas, mas não estudamos o auxílio emergencial, a política de juros ou a movimentação das taxas de lucro do setor empresarial brasileiro. Os que vejo debater esses temas não são os marxistas”, critica a economista, argumentando que esses intelectuais dispõem de ferramentas suficientes para solucionar problemas, inclusive emergenciais, sob perspectivas mais aplicáveis à realidade.
A economista afirma que é impossível uma conciliação teórica entre marxismo e keynesianismo, já que o primeiro preconiza a superação do capitalismo, e o segundo busca corrigir supostas falhas do capitalismo e impedir que ele entre em crise.
Mesmo assim, na realidade concreta, elementos keynesianos podem ser subordinados a uma visão sistêmica própria do marxismo e usados acessoriamente no que tange a elementos de que Marx não tratou.
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Para ele, é impossível uma conciliação teórica entre marxismo e keynesianismo
Nas circunstâncias atuais, as ideias de John Maynard Keynes (1883-1946), propulsionadoras da social-democracia e do Estado de bem estar social, detêm hegemonia na esquerda brasileira atual, numa perspectiva acanhada de “melhorismo pontual” dentro do capitalismo.
A reforma do capitalismo por dentro prosperou no pós-Segunda Guerra Mundial, quando as sociedades capitalistas se viram ameaçadas pelo avanço comunista, sob liderança da União Soviética. A construção dos Estados de bem-estar nacional vieram representar uma alternativa ao socialismo real, nos modos de um “capitalismo domesticado”.
Keynesianismo no Brasil
Militante do Levante Popular da Juventude e economista-chefe do Instituto para a Reforma das Relações entre Estado e Empresa (IREE), Furno observa que os Estados de bem-estar social, no entanto, se deram às custas da “transnacionalização do capital”, de grande desnacionalização dos setores produtivos e de superexploração do trabalho na periferia do capitalismo, como é o caso do Brasil.
Na realidade, o debate atual nem sequer chega a esse ponto: “o marxismo acabou ficando residual, e por isso é importante resgatar Marx. A grande contraposição brasileira a Paulo Guedes, ao liberalismo e ao neoliberalismo é a escola da Unicamp, que é basicamente keynesiana”. Segundo ela, a escola da Unicamp é neste momento o principal centro de produção teórica que objetivamente rivaliza com os setores liberais.
Furno sustenta que os ajustes keynesianos empregados nos governos petistas não foram os causadores do desfecho de 2016. “Me incomoda o discurso de parte da esquerda de que Lula e Dilma só governaram para o capital e só os banqueiros ganharam. Teve muita mudança do ponto de vista do conflito distributivo, e isso é luta de classes”, conclui.