No programa 20 MINUTOS ENTREVISTAS desta segunda-feira (23/08), o jornalista Breno Altman entrevistou o cientista político e professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo Daniel Cara sobre os desafios da educação no Brasil.
Para ele, defendendo as teses de Anísio Teixeira, o pilar do sistema deve ser a escola pública: “A unidade básica do direito à educação é a escola pública, a partir dela devemos desenhar o sistema. O estudante não começa na universidade, é na escola, por isso ela deve ser fortalecida”.
A base para levar adiante esse pensamento, segundo Cara, é o Custo Aluno-Qualidade (CAQ), indicador que mostra quanto deve ser investido ao ano por aluno em cada etapa do ensino básico, garantindo, assim, escolas com transporte de qualidade, alimentação nutritiva, estrutura e uma base para os salários dos professores.
“Implementando o CAQ, a distância vai ser pequena entre a qualidade do ensino público e do ensino privado, porque os professores, por exemplo, serão os mesmos. Hoje as escolas de elite remuneram muito melhor, então para ter esses professores no ensino público, você precisa oferecer perspectivas de carreira, bons salários, estrutura… E assim você também resolve a atratividade do ensino público até para a classe média”, ponderou.
Cara também defendeu que o sistema básico fosse controlado pelos municípios, “desde que os municípios possam arcar com os custos” (hoje, somente os ensinos infantil e fundamental o são), mas reconheceu que é importante ter uma política de educação a nível federal, “porque educação é questão de cidadania e quem garante cidadania é a União”.
“Um projeto de educação tem que estar relacionado a um projeto de país, mas aqui os governantes não têm desejo de fazer política educacional. Mais do que criar vagas, precisamos pensar num projeto pedagógico e isso não é algo que dá resultado em quatro ou oito anos”, afirmou.
Avaliação do ciclo petista
De acordo com Cara, até mesmo os governos petistas falharam em construir políticas educacionais sólidas, não só a nível federal, mas a nível estadual e municipal, “com rara exceções, como os governos de Olívio Dutra no Rio Grande do Sul (1999-2003) ou de Luiza Erundina em São Paulo (1989-1992)”.
Vinicius Loures/Câmara dos Deputados
Daniel Cara foi o entrevistado desta segunda-feira (23/08) no 20 MINUTOS
Apesar disso, ele celebrou o fortalecimento das universidades públicas e dos programas de pós-graduação, que permitiram formar muitos mestres e doutores. Além de programas como o Reúne e o Ciências Sem Fronteiras, “destruídos por [Michel] Temer”.
O problema, porém, é que depois esses profissionais não eram contratados, nem na rede pública, nem na rede privada de ensino superior, que foi fortalecida durante os mandatos petistas.
“O Brasil ainda tem indicadores de acesso ao Ensino Superior pior que o dos nossos vizinhos. E o Fies virou um drama, é uma dívida impossível de ser paga e hoje o Brasil gasta quase o mesmo no Fies do que gasta em investimentos na educação superior”, criticou.
Novo ciclo de esquerda
Pensando sobre um possível novo ciclo de governos de esquerda, Cara refletiu sobre as políticas necessárias na área da educação.
Para ele, seria ideal massificar os CIEPs (Centros Integrados de Educação Pública), desenhados por Darcy Ribeiro e implementados no Rio de Janeiro durante os governos de Leonel Brizola (1983-1987 e 1991-1994). Os CIEPs têm como objetivo oferecer educação integral e formação social aos alunos, incorporando ao currículo, além das matérias regulares, atividades culturais e esportivas, por exemplo.
“Existe um caminho para fazer essa articulação, mas é preciso investir e ter clareza de que vai demorar para dar resultados. Precisamos massificar os cursos de idiomas e mudar a Base Nacional Comum Curricular aprovada por Temer, porque ela forma um indivíduo neoliberal, aquele que acredita que é empreendedor de si mesmo, que não compreende a exploração dos aplicativos, por exemplo. Precisamos de uma estrutura curricular que gere consciência”, destacou.
Cara também ressaltou a importância de reverter a reforma do ensino médio, que retira a obrigatoriedade de matérias como filosofia e sociologia, “estando vinculada a uma noção de país que abdicou da industrialização, de seu lugar no mundo, de garantir um mínimo de qualidade de vida a seus cidadãos”. Para ele, a reforma do ensino médio “é um crime”.
“A escola decide o que vai ofertar. Então você não tem nenhuma garantia de que o itinerário de ciências da natureza vai ser ofertado e sem isso você não tem médicos, não tem engenheiros. Tudo bem, vão ensinar matemática, mas só com isso não vão surgir arquitetos. A reforma do ensino médio é uma tentativa de combate à democratização e travar a política de cotas”, lamentou.
O professor argumentou a favor do letramento científico para crianças, “até pela curiosidade natural” e defendeu a redescoberta da filosofia, criando ainda que seja um princípio de projeto, “porque a coisa meio que acontece sozinha, vide o desempenho de estudantes de escolas públicas em Olimpíadas mundiais de Matemática, que chegam onde chegam sem apoio nenhum, imagina com apoio”.