No programa 20 MINUTOS INTERNACIONAL desta quinta-feira (04/11), o jornalista Breno Altman entrevistou Pilar Troya, antropóloga equatoriana, pesquisadora do Instituto Tricontinental e vice-ministra durante o governo do ex-presidente Rafael Correa. Troya falou sobre a situação política do país, atualmente sob estado de exceção.
“Guillermo Lasso [presidente do Equador] tem um problema político que tenta resolver com o estado de exceção: ele enfrenta protestos populares, não tem maioria no Parlamento e foi mencionado nos Pandora Papers [vazamento de documentos que revelou proprietários de contas offshore, entre eles o presidente equatoriano]. E usou os altos níveis de criminalidade de pretexto para declarar o estado de exceção”, argumentou.
O Equador foi de registrar 5,7 casos de homicídio a cada 100 mil habitantes em 2017, menor número registrado na história do país graças à política pública de Rafael Correa de legalização das “pandillas”, gangues juvenis, para quase dez homicídios a cada 100 mil habitantes, de acordo com a Rádio La Calle.
“As origens dessa explosão estão em todas as medidas neoliberais que começaram a ser implementadas no governo de Lenín Moreno e agora no de Lasso, por exemplo de redução do gasto público que acabou com o programa de regularização das pandillas. A situação foi agravada com a queda do preço dos commodities e depois com a pandemia”, explicou a antropóloga.
Ela rejeitou os argumentos do atual presidente, que tenta culpar o aumento da criminalidade na imigração colombiana de ex-membros das FARC e na influência dos cartéis mexicanos no país.
“É verdade que pode ter aumentado o narcotráfico, mas por causa da pandemia, não por influência dos cartéis mexicanos. Durante o confinamento, como vivemos restrições muito duras, ficou mais difícil assaltar as pessoas na rua. E com a crise, sem saída, as pessoas migraram para a criminalidade. E o narcotráfico era a opção”, ponderou.
Apesar da situação atual, a antropóloga não acredita que o Equador esteja sob risco iminente de crise institucional, até porque inclusive parte da oposição a Lasso aceitou o estado de exceção, devido aos dados alarmantes de criminalidade. Ela destacou a atuação do Pachakutik, o partido indígena do Equador, que vem se alinhando ao neoliberalismo: “A questão é que ele está muito distanciado da base e distanciado da população indígena que ainda mora no campo e que tem maior consciência de classe. Além de que o movimento indígena é muito influenciado pelas ONGs e o dinheiro que recebem”.
Troya também não acha que possa ser aplicada a “morte cruzada”, um mecanismo jurídico-político do país em que o Parlamento é dissolvido e são convocadas eleições para renovar tanto o Parlamento quanto o Executivo.
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Antropóloga responsabiliza políticas neoliberais por onda de violência e assassinatos
Situação da esquerda
Diante da situação, a antropóloga lamentou que a esquerda esteja tão dividida no país. Essa divisão começou com a traição de Moreno, segundo ela, quando, ao abandonar os ideais do Aliança País, partido do ex-presidente Rafael Correa, ele ficou com a legenda, forçando a saída dos correístas, que foram impedidos de criar um novo partido pela justiça eleitoral equatoriana. Estes, então, acabaram se espalhando por outros partidos e movimentos sociais.
Durante a candidatura de Andrés Arauz, a divisão se agravou. Segundo ela, parte da esquerda, que incorpora o movimento progressista indígena, setores do movimento feminista e do movimento ecologista, se considera a “verdadeira” esquerda e, por isso, decidiu votar pelo nulo ideológico — nem Lasso, nem Arauz.
“Já os sindicatos são muito fracos e ainda se dividem entre a esquerda e essa que se intitula a esquerda verdadeira, mas que com seus atos acaba ajudando a direita. Como aconteceu com o anti-petismo no Brasil, o Equador se polarizou entre o correísmo e o anti-correísmo”, afirmou.
Atualmente, a coalizão formada por Arauz é a principal força de oposição no Legislativo equatoriano e tem tentado barrar as medidas de Lasso, principalmente durante o estado de exceção, em que, se a Assembleia Nacional não discutir os projetos de lei em 30 dias, eles são aprovados automaticamente. “E é isso que Lasso quer, porque ele não estava conseguindo aprovar seus pacotes nem entre os seus aliados”, apontou Troya.
No entanto, o movimento liderado por Arauz não tem capacidade de mobilização, de forma que o ex-candidato não se converteu em líder popular. Os movimentos indígenas, por outro lado, que têm forte capacidade de mobilização, estão divididos segundo seus interesses políticos.
Assim, a antropóloga disse não enxergar um líder da esquerda. Segundo ela, poderia ser Rafael Correa ainda, mas ele segue sendo uma figura controversa mesmo entre as forças progressistas: “Tem gente que fala que ele não é realmente de esquerda, é difícil ele unificar a esquerda assim, mas ele ainda é a principal liderança popular. Só não sei se a reconstrução do campo progressista passa por ele. Não ficou claro para mim ainda se a nova geração vai querer recuperar seu legado”.