Professor da Universidade de São Paulo (USP) e integrante da equipe de transição do governo Lula na área da Educação, Daniel Cara participou do programa 20 MINUTOS desta segunda-feira (05/12) para conversar sobre os desafios do terceiro governo do petista no setor do qual ele é um os maiores especialistas brasileiros.
Sobre a pergunta título do programa, quais os rumos que a educação deve tomar no terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, Cara respondeu aos poucos durante o programa, explicando os diferentes pontos de cada aspecto, começando com a política para a educação superior.
“São dois caminhos que devem ser trilhados obrigatoriamente. A primeira trilha é a da expansão da universidade pública federal de qualidade, e inclusive eu acredito que o governo federal deve construir parcerias com estados e municípios para expandir matrículas nas (universidades) estaduais, e com os municípios para negociar terrenos para que essa expansão tanto das universidades federais quanto das estaduais ocorra de maneira mais tranquila”, comentou.
“Uma outra trajetória é enfrentar o tema que você trouxe aqui: não dá para o setor do ensino superior privado, que tem uma altíssima lucratividade no país, continuar trabalhando sem nenhuma regulação sobre qualidade (…) Sendo bem franco, isso falhou no primeiro governo Lula, no segundo também, e nos dois governos de Dilma. Nós precisávamos ter uma regulação mais forte, mas ainda assim, havia (nos governos do PT) um esforço de regulação. Desde que entrou o (presidente) Temer isso foi totalmente abandonado”, acrescentou Cara.
Segundo o professor da USP, “o modelo que tem que ser feito é um modelo de democratização (da educação). A graduação no Brasil é muito boa, na educação superior pública e a gente perde fôlego na pós-graduação não porque ela é ruim, mas sim porque os critérios são importados e o Brasil tem que ter a capacidade de desenvolver os seus próprios critérios. Foi o que fez a Finlândia, foi o que fez a Coreia do Sul, foi o que fizeram os Estados Unidos no Século XIX, foi o que fez a União Soviética no Século XX”.
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O professor da USP, Daniel Cara
Perguntado por Breno Altman sobre se a PEC da Transição, como está desenhada atualmente, permitiria a recuperação de recursos públicos para as universidades e institutos federais, Cara afirmou que “neste momento não. Existe uma negociação e a gente (equipe de transição) conseguiu, ainda no passado, fazer um furo no teto (de gastos), que é o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB). Agora estamos tentando fazer um segundo furo com a PEC da Transição (…) mas eu vou dizer a realidade: não adianta fazer furos no teto, tem que cair o teto inteiro, inclusive para retomar o crescimento econômico”.
Cara também falou sobre a Reforma Econômica da Educação, “que surge nos Estados Unidos durante a implementação das políticas neoliberais do Ronald Reagan. Ela propõe que o investimento em educação não tem que ser em salário de professor e infraestrutura de escolas, que são políticas de provimento, e sim orientado na melhoria dos resultados das avaliações de larga escala. Então, o que deveria ser feito é uma redução da liberdade dos professores na hora de ensinar, fazendo com que os professores se pautem nos testes, para que as escolas tivessem menos currículos abrangentes e mais currículos orientados aos testes, com tudo pautado pelo foco no ingresso (dos estudantes) na universidade”.
“Basicamente, isso significava destruir o sistema educacional dos Estados Unidos construído por John Dewey, que é o grande reformador educacional dos Estados Unidos na história. O Dewey acreditava, e é o principal pensador que influenciava o Anísio Teixeira aqui no Brasil, em uma educação integral, na formação integral de mulheres e homens, e isso significava um currículo muito rico, com uma interlocução entre artes, cultura e as disciplinas tradicionais da educação que não deveriam ser lecionadas de forma tradicional, deveriam ter uma estrutura pautada em projetos, na resolução de problemas, em aspectos mais complexos”, explicou.
Cara encerrou sua participação na entrevista falando sobre o modelo de escola que ele defende. “A escola que eu defendo é uma escola total formada por três grandes pensadores: Anísio Teixeira na construção da escola, Florestan Fernandes no projeto educacional e Paulo Freire no método pedagógico. E o que o setor empresarial defende é uma escola mínima, fortemente pautada nessa função social da escola que para o mercado financeiro tem dois motivos: tanto formar o indivíduo neoliberal, esse é o ponto estratégico, e outro ponto essencial é o de reduzir os custos da educação, abrir mais margem pros serviços da dívida”.