O programa 20 MINUTOS desta quinta-feira (15/06) entrevistou a pastora pentecostal, Viviane Costa, cientista da religião e pesquisadora do Instituto de Estudos da Religião (ISER), com mestrado em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), além de historiadora, psicoterapeuta e coordenadora do Iruah, coletivo de atendimento a mulheres vítimas de violências.
Viviane é autora do livro “Traficantes evangélicos – quem são e a quem servem os novos bandidos de Deus”, publicado pela editora GodBooks, que foi o tema desta edição do programa.
A pastora conta que a ideia do livro surgiu enquanto ela dava aula em um seminário sobre teologia no Rio de Janeiro e conheceu diferentes igrejas do estado, “principalmente igrejas pentecostalizadas, e algumas dessas igrejas estão no que hoje é conhecido como ‘Complexo de Israel’, mas que ainda não era naquele período, entre 2015 e 2016, nesse contato com ex-traficantes, traficantes convertidos, no contato com traficantes que ainda estavam saindo da prática do tráfico de drogas, em um processo de conversão que muitas vezes acontece aos poucos, junto com a experiência de entender a vida da comunidade e como ela foi se transformando”.
“Quando eu comecei a ver pinturas nas paredes das favelas da Zona Norte do Rio dizendo ‘Jesus é o dono deste lugar’, eu vou para o mestrado na UMESP contestar aquilo, dizer que era impossível usar o nome de Jesus em contexto de violência. Infelizmente, com o tempo eu percebo que estava errada, que na verdade o nome de Jesus não só pode ser usado em contexto de violência, dependendo da forma como esse texto bíblico é lido, como ele está sendo usado em contexto de violência ali no Complexo de Israel. Ali eu entendi que Jesus é o santo de proteção e de devoção dos novos donos do morro”, relata a pesquisadora.
Viviane afirma que a religiosidade dos grupos narcotraficantes não é um fenômeno restrito ao Rio de Janeiro, e que existem estudos mostrando, por exemplo, que símbolos religiosos evangélicos são vistos com cada vez mais frequência em São Paulo, em territórios dominados pelo Primeiro Comando da Capital (PCC).
“Nós temos dinâmicas diferentes do crime no Rio de Janeiro e em São Paulo, mas em ambos os casos a religião do traficante ela não é uma novidade, e também não vai ser necessariamente o que vai determinar o modus operandi do movimento, nem as dinâmicas do crime. Quando eu me refiro à ‘narcorreligião’ (termo usado com frequência no livro) eu falo de um movimento que não acontece só no Brasil mas também em toda a América Latina, e que, esse sim, busca pensar a religião como estruturante das dinâmicas do crime”, analisa a religiosa.
A entrevistada também enfatizou a visão dos traficantes evangélicos de que o Estado seria como “o diabo” ou o grande inimigo a ser combatido. “Conheço uma rapper local (do Complexo de Israel), amiga minha, ela canta uma música em que uma mãe no final fala ‘o Estado veio para matar, roubar e destruir’, e isso é a releitura de um versículo bíblico que diz que ‘o diabo veio para matar, roubar e destruir’, e quando uma mãe perde um filho por uma bala perdida saindo da escola ela diz que é o Estado que veio para matar, roubar e destruir. Existe toda essa questão da luta contra o Estado, pela presença violenta do Estado nesses espaços, e da ausência violenta do Estado, a falta de recursos, a falta de saneamento básico, aquilo que o Estado pode fazer porque é Estado, ou o que deixa de fazer, e aquilo que as pessoas não podem fazer porque são periféricas, pobres e pretas”.