Dia 04 de agosto passa a ser considerado um dia histórico na política colombiana: a Suprema Corte de Justiça ordenou a prisão domiciliar do ex-presidente Álvaro Uribe. Essa decisão é decorrente das acusações de que Uribe teria subornado ex-paramilitares, interferindo nos testemunhos para que não o envolvessem em casos com os extintos grupos de autodefesa. É a primeira vez que é decretada prisão domiciliar para um ex-presidente da República. Também é a primeira vez a que a blindagem do poder político de Uribe não interfere no avanço de um processo.
A decisão da Corte sinaliza uma maior autonomia do Judiciário e demonstra um fortalecimento institucional do país. Hoje, a figura de Uribe não é mais intocável. Esse não é o único processo contra o ex-presidente, nem mesmo a primeira denúncia da relação de Uribe com o paramilitarismo.
O Estado colombiano é complexo e sua história é permeada pela presença da violência. Na Colômbia, não existiu uma ditadura militar regular – como vimos em outros países da América do Sul -, porém, por décadas, o Estado foi comandado por uma ditadura democrática das classes dominantes. Uribe é um ator determinante para entender a Colômbia. O ex-presidente representa a política da guerra: em seu governo, de 2002 a 2010, intensificou-se a militarização e guerra contra as guerrilhas, com a ajuda e influência militar dos Estados Unidos. Desde o início dos Diálogos de Paz, Uribe foi o inimigo daqueles que reivindicavam o fim da violência e se posicionou contra a negociação de Havana.
O uribismo atravessa décadas na Colômbia. É um poder político, econômico e militar que, por inúmeras vezes, conseguiu pressionar a justiça e escapar das denúncias de crimes. Uribe representa as máfias regionais, os poderes dos paramilitares e latifundiários do país. Possui muitas alianças, de forma que sua prisão não decreta seu fim, e sim o início de fragilização de seu poder. Hoje, na correlação de forças, Uribe perde. Porém, isso não ocorre de um dia para outro. Há fatos importantes que demonstram que a Colômbia resiste em algumas esferas.
Em 2010, se inicia a proposta dos Diálogos de Paz. Isso dá origem a espaços democráticos de debate e à mobilização de movimentos críticos à narcopolítica. No ano de 2016, a assinatura do Acordo Final de Paz, em Havana, Cuba, foi resultado de muitos esforços políticos e avanços no debate sobre a paz. A eleição de 2018 também provou que uma proposta alternativa ao uribismo tem grande apoio popular, não necessariamente de esquerda, mas de defesa pela paz.
Casa de América/Flickr
Na terça-feira (04/08), a Suprema Corte de Justiça colombiana ordenou a prisão domiciliar do ex-presidente Álvaro Uribe
Gustavo Petro, candidato que ficou em segundo lugar na corrida presidencial de 2018, se comprometeu com a paz e defesa do Acordo Final de Paz. Em 2019, a Colômbia vivenciou um grande levante popular, organizado por diversos movimentos sociais e com muita base social. As manifestações eram contra a violência de Estado, o retrocesso ao Acordo de Paz e ao avanço do neoliberalismo no governo de Iván Duque.
Iván Duque, atual presidente da Colômbia, é afilhado político de Uribe, membro do partido Centro Democrático, criado pelo ex-presidente. Nos últimos dias, o governo de Duque fez pressão contra a Suprema Corte e na terça-feira (04/08), após a notícia de prisão, defendeu publicamente Uribe, declarando que o ex-presidente é uma figura importante e honrada.
A sociedade colombiana está polarizada, há muitos setores críticos ao uribismo, mas ele ainda possui sua base política aliada. Não será uma disputa fácil: a extrema direita utiliza esse momento para atacar novamente o tema da guerrilha e da paz. Uribe insiste em golpear o Acordo de Paz e intensifica o discurso de que os verdadeiros inimigos são as guerrilhas. Há uma grande propaganda desse setor que promove a visão de que as FARC são formadas por assassinos e estão injustamente no congresso, enquanto Uribe, um líder político inocente, está preso.
Nas disputas de narrativas, Uribe expõe uma carga emocional, em uma estratégia de manipular a opinião pública. A intenção da direita é polarizar ainda mais o cenário político, definindo a prisão como uma grande injustiça.
Os movimentos sociais e forças políticas da oposição comemoram a prisão de Uribe e declaram que hoje finalmente as vítimas respiram. Para a Colômbia, é um dia de esperança, que marca na história oficial a versão e narrativa de Uribe como ator político vinculado ao paramilitarismo e narcotráfico.
Por fim, nos resta a pergunta: o Estado colombiano ainda controla todos? Uribe é o homem por trás de Ivan Duque e a sociedade colombiana está polarizada. As análises políticas não podem ser feitas de forma linear, há nuances e contradições. Na disputa política, existem diversas batalhas. A desta semana foi vitoriosa para as forças que resistem e lutam há décadas por um Colômbia pacífica e autônoma. É um grande passo, mas não o fim. A luta continua e um dia a paz vencerá!