Parte do epitáfio do compositor Villa Lobos foi:
“Estou aqui de passagem para fazer um barulho que o Brasil escute”
Ontem na posse, Lula subiu a rampa do Planalto ladeado por representantes do povo brasileiro que, logo após, pelas mãos de uma catadora de materiais reciclados, passariam a faixa presidencial ao eleito ao som da composição “Trenzinho do Caipira”, de Heitor Villa-Lobos.
“Trenzinho do Caipira” faz parte das Bachianas N⁰ 2 e foi composta entre os anos de 1930 e 1945, período em que a obra de Villa-Lobos se mimetiza ao complexo projeto de desenvolvimento nacional getulista.
Em 1976, o poeta maranhense Ferreira Gullar escreveu e publicou um poema no livro “Poema Sujo”, inspirado pela música do Villa e pelas lembranças das viagens de trem que fazia com seu pai, no trajeto entre São Luiz e Teresina:
“Lá vai o trem com o menino
Lá vai a vida a rodar
Lá vai ciranda e destino
Cidade e noite a girar
Lá vai o trem sem destino
Pro dia novo encontrar
Correndo vai pela terra
Vai pela serra
Vai pelo mar”
Ricardo Stuckert e Bruno Stuckert
Bandeira do Brasil estendida em meio à maré vermelha durante a posse de Lula
Em 1977, o compositor Edu Lobo, discípulo do mestre Villa-Lobos, se encantou pelo poema de Ferreira Gullar e propôs a parceria que resultou na versão com letra de “Trenzinho do Caipira” registrada no álbum “Camaleão”, lançado em 1978.
O desejo maior de Villa-Lobos era que o diálogo entre o Brasil rural e o urbano promovesse a construção de um país mais justo e consequentemente mais musical, sendo assim menos desigual. Ferreira Gullar e Edu Lobo reconduziram esse desejo.
De alguma maneira, a execução de “Trenzinho do Caipira” no ritual da posse presidencial nos remete a trajetória de modernização do nosso país. Perversa, desigual, repleta de marginalizados e de histórias interrompidas.
Que o sonho do Villa não fique apenas na subida da rampa, que vá além do gesto. É urgente que se espraie pelas cidades, vilas e ruas do Brasil a justiça social e as políticas públicas, e que essa música com muitas cores e ancestralidades diferentes seja ouvida por todo povo brasileiro.
“Lá vai o trem sem destino
Pro dia novo encontrar
Correndo vai pela terra
Vai pela serra
Vai pelo ar
Cantando pelas serras do luar
Correndo entre as estrelas a voar
No ar, no ar, no ar”