Cristais de Sangue, rodado há 50 anos, em junho de 1974, estava inacessível há mais de duas décadas, quando houve a última projeção pública do filme. Com uma nova cópia digitalizada e restaurada, a obra ganha vida nova e volta a ser exibida.
O filme conta a história de Ruy (Rui Polanah), um homem vindo de Moçambique, que desembarca em Salvador à procura de seu pai. Em uma aventura pelo interior da Bahia, encontra Maria do Rigoletto (Salma Buzzar), filha de um coronel local presa em uma casa enfeitiçada e mal-assombrada. Juntos descobrem que Sunzé, seu pai, encontrou um grande diamante e fugiu para as montanhas.
Inteiramente gravada na Chapada Diamantina, a obra recria uma lenda sobre os tempos do garimpo do diamante no sertão baiano. A caça por minérios preciosos na região ganhou força na segunda metade do século XIX, atraindo rapidamente mais de 30 mil pessoas para a Chapada e áreas vizinhas.
Na sessão de estreia da nova cópia, em março de 2024, a diretora Luna Alkalay contou que foi durante uma viagem para a Chapada e que conheceu diversas histórias e lendas locais envolvendo a figura dos coronéis e os diamantes. Ouviu falar de um coronel que tinha quatro filhas e mantinha uma delas, Maria do Rigoletto, presa em uma casa assombrada.
Em um contexto de ditadura, vivia-se “um momento muito difícil e a única forma que tínhamos de poder expressar alguma coisa era através de metáforas. (…) Estava sempre em busca de metáforas e sempre em busca de alguma coisa que nos aproximasse da cultura popular. (…) Eu estava na Bahia em busca disso. E começaram a me contar histórias do diamante e histórias magníficas, histórias mágicas. E eu tenho uma predileção pelo que é mágico”, declara Alkalay.
No retorno a São Paulo, decidiu elaborar o roteiro de um filme juntamente de Aloysio Raulino e Caetano Lagrasta. Alguns meses depois, voltou à Chapada com uma equipe para gravar o longa-metragem. Tentaram diversas parcerias para custear as passagens aéreas, mas só conseguiram a ida de navio: três dias de São Paulo a Salvador. Chegando ao local de filmagens, relata ela ao jornal Correio Braziliense em 1978, “foi uma verdadeira batalha. Durante 45 dias passamos fome, medo, frio e solidão na Chapada Diamantina, onde resolvi filmar em locação a aventura do garimpo brasileiro”.
O cineasta e produtor francês Alain Fresnot conta que fazia toda a produção a cavalo. Cavalgando de um lado para o outro, caiu e quebrou o punho. Entre tantos desafios, o filme foi feito em 40 dias de filmagens, com uma equipe de 14 pessoas e 200 figurantes – todos moradores da cidade de Mucugê, convidados a participar das gravações por meio do alto-falante local. Além da figuração, ajudavam a complementar o roteiro, à medida que contavam mais lendas e histórias.
É graças ao trabalho de digitalização e restauro que a obra pode voltar a circular. Este trabalho, fruto do esforço conjunto de Felipe Abramovictz e Luna Alkalay, teve início em 2021 e se encerrou em 2024, com a estreia da cópia em março, na Cinemateca Brasileira, em uma mostra retrospectiva do trabalho de Luna Alkalay.
Felipe Abramovictz dirigiu ainda o curta-metragem Cristais de Sangue 1974-2024, sobre o processo de restauro, no qual parte do elenco e da equipe dão depoimentos emocionantes sobre a história das gravações em 1974. É possível ver ainda um comparativo de imagens anteriores e posteriores ao restauro, revelando o extraordinário trabalho feito para a recuperação das cores e da belíssima fotografia de Aloysio Raulino.
A próxima sessão está prevista para ocorrer hoje, dia 10 de maio, na praça principal de Mucugê. Será a primeira vez que Cristais de Sangue será exibido na cidade na qual foi gravado para os moradores que participaram ou apoiaram as gravações. A sessão contará com a presença de Luna Alkalay e Felipe Abramovictz e com a participação da Filarmônica 23 de Dezembro, banda que tocou no filme.