Um dos maiores escritores das letras latinas atualmente não veste o terno de um Vargas Llosa e tampouco usa o chapéu e a camisa de mangas curtas de um García Márquez – só pra citar dois dos maiores nomes do boom latino-americano. Ele nasceu no Peru, mas vive nos Estados Unidos desde os três anos, tem os cabelos vastos e bagunçados – como um gênio da física ou então um hippie descompromissado –, assumiu recentemente uma cadeira na Universidade Columbia e dirige um programa de rádio que ecoa histórias de vida de personagens anônimos e dispersos pela América Latina hispânica.
Esther Vargas/Flickr
Alarcón: “Lima, além do lugar onde nasci, é para mim palco de dramas familiares e também o espaço da minha infância”
Claro: escreve e muito, principalmente novelas e contos, e sua produção o levou a brilhar em listas de melhores jovens escritores, como as que publica revistas de primeira linha como Granta e The New Yorker. Tudo o que fez, ele mesmo diz, é guiado por aquela “faísca humana” que o inspira a contar histórias. Fala-se de Daniel Alarcón, 37.
Alarcón é um dos principais nomes que figuram na programação da próxima edição da Flip (Festa Literária de Paraty), que acontece entre os dias 31 de julho e 3 de agosto. A feira anda na cola dele há alguns anos e só agora conseguiu uma brecha em sua disputada agenda para difundir aqui sua obra (em parte já traduzida ao português).
Por pouco, o projeto não vinga: com o convite de Columbia, onde ele se formou em Antropologia, para assumir um posto de professor, a viagem ao Brasil quase caiu – foi cancelada e, pouco depois, reconfirmada. Sendo assim, quem não conhece o talentoso autor de Guerra a la luz de velas (2006) e El rey siempre está por encima del pueblo (2009) e dos já disponíveis em português Rádio Cidade Perdida (Rocco) e À noite andamos em círculos (que será lançado pela Alfaguara durante a FLIP) poderá se aproximar às suas histórias e ideias aproveitando o encontro de Paraty.
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Quem quiser adiantar alguma coisa, que confira aqui a entrevista do autor. Apesar de breve, ela deixa entrever questões como sua origem peruana versus sua nacionalidade estadunidense, inspirações literárias e projetos paralelos. Um abre-bocas para a FLIP e para a boa literatura contemporânea da nossa região.
Opera Mundi: O que o motivou a começar a escrever e a se tornar profissional?
Daniel Alarcón: Escrevo muito e desde muito jovem. As histórias realmente foram sempre algo importante na minha vida. Mas, no começo, eu não sabia como transformar essa paixão em carreira. Tive muita sorte e fui apoiado por muitas pessoas até começar a atuar profissionalmente.
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OM: Você já recebeu vários reconhecimentos do seu trabalho como escritor, apesar de ser muito jovem. De que maneira os prêmios foram e são positivos pra você? Estar em listas de autores mais recomendados, por exemplo, facilita alguma coisa?
DA: Essas listas são sempre arbitrárias. Mas eu prefiro diminuir a importância que elas têm estando dentro e não fora delas. Isso, porque, para que um escritor siga na luta contra a página branca, é bom que ele receba alguns sinais de fumaça. Esses reconhecimentos e prêmios são, no fundo, um bem-vindo alô dos meus leitores.
Divulgação
OM: Qual é sua relação prática com o Peru e a América Latina, vivendo nos Estados Unidos desde pequeno? E como você vê essa condição dupla de latino-americano e estadunidense, sempre transitando entre os dois universos?
DA: Lima, além do lugar onde nasci, é para mim palco de dramas familiares e também o espaço da minha infância, que faço questão de visitar constantemente. Essa posição na metade do caminho entre o Peru e os Estados Unidos, na verdade, me dá perspectivas que outros escritores não têm. Não vejo como um problema, mas como uma benção.
Tenho o Peru e a América Latina como fortes inspirações literárias, apesar de escrever em inglês. E meu contato com temas latino-americanos é permanente e constante. Um dos meus projetos de trabalho é a Rádio Ambulante, uma rádio online na qual se contam histórias latino-americanas de não-ficção. Realidades e histórias de personagens reais, que não são notícia, nem novidade, nem política, mas que revelam um mundo rico, que não são conhecidas mesmo de um país para outro dentro da região.
OM: Como surgiu esse projeto?
DA: Em 2007, eu escrevi um romance sobre o rádio e, anos mais tarde, fiz um documentário pra BBC sobre a imigração andina pra cidade de Lima. Captamos vários depoimentos, que depois foram editados e traduzidos ao inglês. Eu e minha esposa, que trabalhava comigo, sentimos que algo tinha se perdido nesse processo e, anos mais tarde, decidimos fazer algo a respeito.
Lançamos a rádio entre quatro ou cinco fundadores. São entrevistas surpreendentes, um tema cada mês, uma hora de duração. Nosso objetivo é que em um país da América Latina hispânica se escutem histórias de outro país da região para criar, na prática, uma comunidade ampla e diversa.
OM: Qual foi a recepção até o momento no Brasil do seu livro “Rádio Cidade Perdida”, que já foi traduzido ao português?
DA: Segundo os relatórios que recebo da editora, muito ruim. Poucos exemplares foram vendidos até o momento.
OM: O que você conhece do país e o que espera encontrar aqui, quando vier para a FLIP?
DA: Para muitos latino-americanos como eu, o Brasil é quase uma miragem. Um lugar que está aí, mas que é ao mesmo tempo inalcançável. Não imaginamos o que pensam os brasileiros.