O livro Kollontai e a revolução: escritos sobre amor e luta, publicado pela editora Expressão Popular, traz 12 textos da feminista socialista russa Alexandra Kollontai. Produzidos durante o processo da Revolução Russa, os escritos tratam de tópicos diversos, como relações de produção e reprodução, afeto e sociabilidade, e a construção do que, à época, seria a “nova mulher”.
A obra, organizada por Annabelle Bonnet, Renata Couto e Maísa Amaral, membras do grupo Feminismo e Marxismo, mescla artigos mais conhecidos no Brasil, como O Amor e a Nova Mulher, com textos menos acessados no contexto brasileiro, a Sociedade e Maternidade.
Inclusive, Sociedade e Maternidade, publicado pela primeira vez em 1916, fez parte de um importante debate dentro da opinião pública russa sobre problemas da vida proletária: igualdade de direitos entre homens e mulheres no trabalho e na sociedade, a educação dos filhos, a saúde das mulheres, o amor livre e outros temas.
A seleção dos textos no livro busca trazer aportes teóricos e práticos da tradição marxista ao projeto de emancipação feminista que “são pouco ou mal conhecidos até hoje”, de acordo com Bonnet. A pesquisadora de pós-graduação em ciências sociais na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro conversou com Opera Mundi e contou os detalhes da reunião das obras de Kollontai.
A escolha do material teria vindo de um longo processo de leitura, estudos e conversas da equipe, que fez um estudo cronológico da obra de Kollontai, tentando também “acompanhar os debates da época com o maior rigor possível”, segundo a organizadora.
“No nosso livro indicamos a proveniência de cada um com cuidado, pois, como pesquisadoras, damos continuidade ao esforço coletivo de outros trabalhadores intelectuais que já se esforçaram para disponibilizar os textos”, disse Bonnet, sobre a busca pelos textos, retirados de lugares diversos.
Para Bonnet, há uma dimensão de memória, que integra os estudos de gênero, explicando como os debates se formulam, em quais contextos e como evoluíram. “Conhecer esse passado na sua diversidade nos ajuda a pensar e agir sobre nossa própria contemporaneidade”, afirma.
E ela continuou: “o mais trabalhoso para esse projeto não foi encontrar os textos, mas sim estudar e organizá-los numa mesma unidade, trazendo ao mesmo tempo a dimensão histórica particular dos seus escritos e seu alcance além das fronteiras geográficas e temporais”.
Questionada pela reportagem se o trabalho de Kollontai permanece atual, a organizadora afirmou que a forma social capitalista, problematizada pela revolucionária, continua fazendo parte da nossa cotidianidade.
“Kollontai conseguiu problematizar essas questões com o material e os recursos do seu tempo, particularmente graças ao método de [Karl] Marx e [Friedrich] Engels, que colocaram em evidência o carácter histórico e não universal dessa forma social, do mesmo modo que se apoiou nas contribuições de feministas marxistas muito influentes da época, como as de Clara Zetkin”, completou.
Domínio Público
Alexandra Kollontai foi uma consagrada intelectual marxista e militante feminista socialista, uma das lideranças da Revolução Russa de 1917
Já o título do livro, Kollontai e a revolução: escritos sobre amor e luta, teria vindo, de acordo com a pesquisadora, de temas que atravessam os textos da revolucionária, do ato de amar dentro de uma sociedade dividida em classes sociais, estruturada em torno da competição entre trabalhadores.
A russa teria insistido, particularmente, “na dimensão subjetiva das desigualdades produzidas e reproduzidas pela forma social capitalista, e resgatou com cuidado o fato de que combater o capitalismo significa combater um certo modo de vida, e não somente falar do Banco Central”, afirmou a organizadora.
Quem foi Kollontai?
Nascida em Moscou, em 03 de março de 1873, Alexandra Kollontai foi uma consagrada intelectual marxista e militante feminista socialista, parte das lideranças da Revolução Russa de 1917.
Foi a primeira mulher do mundo a ocupar o posto de ministra de Estado como comissária para o Bem-Estar Social e de Saúde do governo soviético após a revolução de outubro, e primeira embaixadora, a partir de 1926, tendo trabalhado na Noruega, Suécia, México e Finlândia.
Teve destaque como propagandista, teórica, ativista e feminista socialista na luta contra a Primeira Guerra Mundial e pelos direitos da mulher trabalhadora e da infância, ao lado de Clara Zetkin, Rosa Luxemburgo e Nadejda Krupskaya.
Entre seus escritos mais importantes, estão: A Sociedade e a Maternidade (1916), O Comunismo e a Família (1920) e Amor Vermelho (1927).
Confira um trecho do livro:
“Camaradas trabalhadoras! Por longos séculos, a mulher não teve liberdade e direitos, pois era tratada como um mero apêndice, como a sombra do homem. O marido sustentava a esposa, e em troca ela se curvava ao seu arbítrio, suportando quieta a falta de justiça e a servidão familiar e doméstica. A Revolução de Outubro emancipou a mulher: hoje, as camponesas têm os mesmos direitos que os camponeses, e as operárias, os mesmos que os operários. Em todo lugar, a mulher pode votar, ser membro dos sovietes ou comissária, e até comissária do povo. A lei equipara a mulher em direitos, mas a realidade ainda não a libertou: as operárias e camponesas continuam subjugadas ao trabalho doméstico, como escravas dentro da própria família. Os operários devem agora cuidar para que a realidade tire dos ombros delas o fardo da lida com os filhos e alivie às operárias e camponesas o peso dos serviços de casa. A classe operária também está interessada em liberar a mulher nessas esferas”.
(*) O livro foi disponibilizado no Clube do Livro Expressão Popular do mês de março para assinantes, e também está a venda pelo link.