O texto abaixo encontrei num arquivo cheio de papéis velhos. Gosto dele, apesar do tom. Publico para que não se perca, não porque concorde em tudo comigo mesmo. E porque alguma coisa de lá fala também com nossos tempos.
Concluí o trabalho em 17 de agosto de 1994, para a disciplina de Cinema Brasileiro, na ECA-USP.
Todo o desbunde e o deboche que chega às telas com o o cinema marginal mostra que a revolução que a esquerda acreditava não era mais viável há muito tempo. O desenvolvimento econômico dos anos 1950, principalmente durante o governo JK, promove no país um êxodo rural e uma concentração urbana que a esquerda não consegue compreender.
Assim, ainda sob forte influência da Coluna Prestes, que se finalizara em 1927, e da Grande Marcha de Mao, que acabara em 1935, ela passa anos defendendo uma revolução socialista que viesse do campo, totalmente dissociada da realidade do novo país urbano que nascia. Nas artes, esse desejo se manifesta principalmente através do Teatro de Arena e do Cinema Novo.
Tom Zé, por exemplo, diz que a ideologia da esquerda, até o Tropicalismo, era muito bem expressa por uma capa da revista Civilização Brasileira em que um pescador segurava um peixe. Esse era o país que a esquerda queria, apesar de todas as modificações que haviam acontecido uma década antes.
É verdade que o êxodo rural não trouxe somente as pessoas do campo, mas também suas mentalidades. Quem melhor trabalhava com isso era a direita, que se utilizava do discurso religioso para atacar o comunismo. Foi essa habilidade que a ajudou a chegar ao poder na marra em 1964.
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Cena do filme ‘O Bandido da Luz Vermelha’, de Rogério Sganzerla
Bom, voltando a O Bandido da Luz Vermelha. Com o rompimento com o engajamento político do Cinema Novo, o filme de Rogério Sganzerla consegue perceber que o país mora na cidade, não mais no campo. E que qualquer revolução, nessa nova situação, era impossível.
Não por acaso, a voz radiofônica que narra o filme conclui, ao seu final: “Sozinho a gente não vale nada. E daí?”
O Bandido é um filme totalmente desesperançado. A solução para o Brasil é o extermínio, grita o anão. O bandido percebe que esse novo país urbano fracassou e que só era possível avacalhar. Avacalhar com os políticos (que chegam a prometer o natal para a criança malcriada e chicletes para os pobres mastigarem), com a polícia, com a sociedade, com tudo. É um país que não tem certeza de nada – aliás, nunca teve.
O cinema marginal que nascia com O bandido consegue, então, junto com o Teatro de Zé Celso e com o Tropicalismo, entender que a urbanização e a industrialização do país eram irreversíveis, apesar de não serem redentoras (vide “Parque Industrial”, do disco Tropicália ou Panis et Circenses).
E que, no Terceiro Mundo, em particular num país dominado por um regime ditatorial, só permaneceria livre quem provasse sua loucura. Ser louco não era o suficiente.