Estou de volta a São Paulo. Para trabalhar por um mês.
E foi aqui, de volta à cidade depois de dois anos longe, que eu acordei cansada.
Claro que fiquei bem cansada nos últimos anos. É que participei de um programa denominado por mim de PSI (Período Sabático Indeterminado). Eu me cansava, muito, mas a minha qualidade de sono era boa o suficiente para acordar descansada no dia seguinte.
Eu acordava com preguiça. Acordava cedinho sempre, com vontade de ficar na cama, despertando aos poucos, lendo as notícias ruins nos jornais e vendo as notícias boas no Instagram dos amigos que estão longe.
Aí levantava. Passava um café forte, preto, cheiroso. Fazia minha panqueca com frutas e mel. Comer com tempo. Pensando nos sonhos que tive. Pensando nos sonhos que perduram. Para aí sim, sem hora marcada, começar a trabalhar.
Assim era a rotina do meu PSI. Independente se era segunda, sábado ou que horas eram.
Eu era uma trabalhadora perfeita.
Porque eu dormia bem.
Porque eu trabalhava plantando coisas.
Porque eu trabalhava escrevendo.
Porque eu trabalhava criando coisas com a mão.
Porque eu trabalhava aprendendo novos movimentos do meu corpo, e eu não tinha ideia de que meu corpo era capaz de tantas coisas.
Porque eu trabalhava o meu psicológico, os meus traumas, as ansiedades, as depressões. As questões familiares, os envolvimentos amorosos, minhas relações com outros seres, com a natureza, com o que é sombra, com as coisas tristes, com a maldade e com os comportamentos antiéticos que também fazem parte de mim.
Passava o dia inteiro trabalhando e, de repente, plaf, dormia o sono mais revigorante que alguém pode ter.
Isso acontecia todo dia.
E só porque eu não tinha hora para acordar, acordava bem cedo.
Em São Paulo, eu acordo querendo dormir mais um pouco. Não lembrava dessa sensação, tão comum a quem vive aqui. A sensação de um insuficiente período de descanso, que deixa a gente meio avoado, meio sem pé no chão, meio no automático, meio humano, meio máquina.
Sob essa condição, a gente deixa de agir por conta própria. O cérebro está confuso, não descansou o suficiente. E, em vez de sermos os trabalhadores perfeitos, nos tornamos os empregados ideais: não temos força para questionar, não conseguimos encontrar as palavras para argumentar, não queremos mais do que cumprir as tarefas básicas, para que o dia passe logo e talvez tenhamos uma nova chance de descansar depois de literalmente correr no caminho de retorno à casa.
A gente precisa de sono. Sentir o corpo relaxar. Aliviar cada músculo e cada pensamento. Enrijecer sem estar tenso. Endurecer com suavidade. Atento e forte.
Isso é dormir.
Dormir. Atividade ingrata, desvalorizada pelo capitalismo, que nos quer despertos para consumir, imitar, produzir.
Dormir, ter uma boa noite de sono, sem preocupações, sem ruídos externos e na segurança de um lar, seja como for o seu lar: isso é coisa de privilegiado.
Você tem condições de ter uma boa noite de sono? Aproveite. Porque a revolução não será feita por pessoas cansadas.
Então descanse. Porque eles também querem você cansado, desorientado, chateado, triste, birrento, chorão, como os bebês que lutam contra o sono.
Se tem algo que não devemos lutar contra, é o sono.
Um sono revigorante, inspirador, faz a gente despertar mais criativa, mais amorosa, com mais vocabulário, mais centrada, mais ativa, mais calma, mais desperta. Pessoas prontas para encarar os monstros da rotina.
Sonhar nos leva para outro mundo, nos transporta para realidades alternativas, que só por serem parte desse mundo onírico, não quer dizer que não fazem parte desse mundo.
É sonhando que criamos mundo possíveis. Mundos de maior conexão amorosa, mais consciência, mais integração, mais humanidade.
A partir daí, vivendo em São Paulo e longe do privilégio de passar por um PSI, vale qualquer artifício para dormir com qualidade: ir para a cama cedo, tomar chá, tomar banho, fazer qualquer ritual noturno, como escovar os dentes e levar um copo de água para o lado da cama, não ligar aparelhos eletrônicos, ou fazer qualquer coisa que seja extremamente relaxante. E não se julgue. Nunca.
Aliás, se tem uma expressão boa de 2019 que todo mundo anda usando é “auto-cuidado”. Dormir bem é uma realização do auto-cuidado.
Que você tenha boas noites. Para também ter bons dias. E seguimos.
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