Vai, curintia! Este é um diálogo fictício com alguém que não é da minha bolha.
Fala, Lud!
Oi, tudo bem?
Suaave… e tu?
Tô ótima, obrigada. Só aconteceu uma coisa bizarra agora, uma coisa na qual já estou questionando e pretendo não repetir o sentimento.
Que isso! Que que houve? Você se acidentou? É grave? Sua mãe tá doente?
Hahaha, não. É que agora são exatamente 12h30 e eu acabei de ver um homem de meia-idade vestindo uma camisa e um boné do Corinthians. Era um senhor branco, mas tava bem chavoso. Passou por mim de bicicleta, o vi de longe. Seu braço esquerdo estava posicionado embaixo do braço direito, como se estivesse dando um abraço em si mesmo, e a mão esquerda na altura do dorso direito, onde está o rim direito. E a mão direita no guidom.
Ah, é, não tá sabendo? Corinthians ganhou ontem do Palmeiras de lavada. Uma goleada forte, mano. Deixou os porco no chineloooo!
Ah, tá. Não tava sabendo. Enfim. Por um segundo, minha mente imaginou que ele estivesse sacando uma arma. E era mínima a possibilidade de essa cena ser verdade, já que era a hora mais clara do dia, e eu estava numa avenida movimentada, no ponto esperando o ônibus com mais um monte de gente, incluindo senhorinhas de cabelos brancos e crianças que haviam acabado de sair da escola.
Nossa, Luds, você viaja, hein.
Não é viagem. Sou brasileira, e aqui no Brasil o que a gente mais escuta é história assombrosa sobre crimes. Sou mulher brasileira, e nós somos bombardeadas com histórias assombrosas de violências de todo o tipo contra a mulher, e nós mulheres brasileiras, que passamos por essas situações machistas criminosas quase que diariamente (toda mulher brasileira tem uma história de ter sentido medo de algum homem em algum momento da vida). Sou mulher brasileira branca de classe média, ou seja, cresci escutando histórias de gente criminosa que usava esse tipo de roupa. Principalmente as histórias que mostram na TV.
E?
E daí que tive medo dele porque ele era diferente. Não faz parte do meu círculo social, ele está excluído do meu círculo. Além disso, o preconceito surge pelo medo do diferente. Isso quer dizer que nosso privilégio tem o mesmo tamanho do nosso preconceito. E que, para eliminar os preconceitos da rotina e viver em paz, com serenidade e sem medo, é preciso, antes de tudo, reconhecer os nossos privilégios. Quando reconhecemos nossos privilégios, enxergamos com mais clareza nossos preconceitos. Ainda estou aprendendo. Falta muito. É difícil desconstruir e questionar todos esses anos de bombardeio social em que vivemos. Mas pelo menos reconheci o meu medo, neste caso. É um passo e me fez questionar ainda mais. Questiono por amor, não por me sentir inferior ou me sentir um lixo. Questiono porque quero que nos sintamos sempre iguais.
Entendi! Mas e aí? O cara tava armando ou nem?
Que nada. Ele só estava se coçando de um jeito espreguiçante.
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