Ser todas as coisas tocando seus opostos parece ser o segredo de Nicanor Parra para viver tanto. O poeta, matemático e físico chileno, que completa 100 anos neste 5 de setembro, é considerado um mestre da antipoesia e o símbolo de um anti-Chile. Ao sê-lo, revela-se nada mais que um mestre da arte poética e em um conjunto de todas as coisas verdadeiramente chilenas, que se aproximam do calor das pessoas e nada têm a ver com a imagem fria de um país.
Emol.com
Parra: “Durante meio século, a poesia foi o paraíso do tonto solene até que cheguei e me instalei com a minha montanha-russa”
O primeiro livro de Parra, escrito durante o período em que estudou Ciências Humanas, mas também Matemática e Física na universidade, é “Cancionero sin nombre”, de 1935, um poemário no qual já figuram elementos de antipoesia – apesar de suas afinidades, segundo os críticos especializados, com o “Romance gitano”, de Federico García Lorca.
Ele estudou na Brown University, nos Estados Unidos, na universidade de Oxford, na Inglaterra, enquanto se tornava um profundo (e natural) especialista na cultura popular de seu país. Essa experiência internacional, ao mergulhar profundamente em sociedades estrangeiras e desenvolvidas, diferentes da sua, foi, junto com uma oposição à poesia tradicional de Pablo Neruda, a base da gestação de sua produção antipoética.
Wikicommons
É o que demonstra os “Anales de la Universidad de Chile”, onde consta uma seleção de antipoemas seus, e “Poemas e antipoemas”, segundo segundo livro, lançado em 1954 e se destacou radicalmente das produções chilena e hispano-americana da época.
“Durante meio século, a poesia foi o paraíso do tonto solene até que cheguei e me instalei com a minha montanha-russa”, disse Nicanor sobre sua própria obra, amplamente difundida no Chile pelo crítico literário Ignacio Valente.
As artes visuais também foram uma paixão de Nicanor Parra, que expôs obras nos Estados Unidos, na Espanha e no Chile. Em 2006, apresentou a exposição obras públicas no Centro Cultural Palacio de la Moneda, da qual fazia parte “El pago de Chile”, uma instalação que mostrava todos presidentes chilenos enforcados e incluía uma cruz com os dizeres “vou e volto”.
A obra, que hoje está na Universidade Diego Portales, pendurada no centro do salão principal da biblioteca Nicanor Parra, custou o cargo da responsável pelo Museu de La Moneda na época.
O poeta não tinha medo de causar impacto, mas desconfiava dos prêmios. Em 2011, tornou-se o terceiro chileno, depois de Jorge Edwards (1999) e Gonzalo Rojas (2003) a receber o Prêmio Cervantes de literatura.
No ano seguinte – quem diria – recebeu um reconhecimento que leva o nome de seu anti-inspirador, o Prêmio Iberoamericano de Poesia Pablo Neruda, “por sua grande trajetória, sua contribuição à linguagem poética latino-americana, por seu humor, ironia e olhar incansavelmente crítica e a extraordinária diversidade de suas buscas como anteposta, poeta visual e tradutor”, segundo os agradecimentos oficiais.
NULL
NULL
Nascido em San Fabián de Alico, próximo de Chillán, no seio de uma família modesta, Nicanor nasceu de um pai músico e professor primário e de uma mãe artesã. Sua irmã, Violeta Parra, foi também uma artista plástica, além de folclorista e uma inesquecível autora de música folclórica chilena, importante para a cultura popular do país assim como seus outros dois irmãos, Roberto e Lalo Parra – todos falecidos.
Padre Nuestro, de Nicanor Parra
Padre nuestro que estás en el cielo
Lleno de toda clase de problemas
Con el ceño fruncido
Como si fueras un hombre vulgar y corriente
No pienses más en nosotros.
Comprendemos que sufres
Porque no puedes arreglar las cosas.
Sabemos que el Demonio no te deja tranquilo
Desconstruyendo lo que tú construyes.
Él se ríe de ti
Pero nosotros lloramos contigo:
No te preocupes de sus risas diabólicas.
Padre nuestro que estás donde estás
Rodeado de ángeles desleales
Sinceramente: no sufras más por nosotros
Tienes que darte cuenta
De que los dioses no son infalibles
Y que nosotros perdonamos todo.
Nicanor parece envelhecer ao contrário e sentir-se mais jovem hoje que há 60 anos atrás. É o que mostra não só sua produção artística, mas uma série de fotos suas em diferentes idades exibidas ao longo da Avenida Libertador (ou La Alameda), a principal via da capital chilena. Para homenagear seus 100 anos de anti-morte, a Universidade Diego Portales lança “Temporal”, uma crônica do trasbordamento do rio Mapocho no inverno de 1987 e, ao mesmo tempo, uma denúncia da ditadura.
Atualmente, dizem que o escritor ainda conduz por aí o seu fusquinha e que anda obcecado pela cueca, ritmo nacional chileno de música e de dança. Depois de ter lecionado em várias universidades, deixou de atuar como professor para continuar ensinando. Também dizem que Roberto Bolaño, o escritor chileno que viveu no exterior por tanto tempo e que morreu jovem, buscou Nicanor Parra ao voltar à sua terra natal, como se ele fosse seu sinônimo do Chile. Alguém que depois de tantas contra-revoluções, segue vivo não só nas letras, mas por aí, circulando e desafiando grandes poetas, presidentes e a cada um de nós.