1h50 da madrugada de domingo (28) para segunda (29) de abril de 2019.
Há grilos que emitem sons longos como o tempo de uma inspiração profunda, dessas que a gente anda fazendo nos nossos momentos meditativos. Há grilos que fazem sons mais curtos, como reco-recos eficientes e um pouco mais metálicos. Cachorros latem. Cachorros de tamanhos diferentes, o que gera uma sinfonia vocal que vai do soprano ao baixo da ópera canina. Um cão de cada vez. 360 cães latindo de cada um dos 360 pontos cardeais, um por vez.
Os galos cantam em ondas. De trás para frente. De frente para trás. A gente nem imagina que o que acontece é o efeito doppler, mas não necessariamente somos a pedra.
Aqui é longe da rodovia, mas a cidade, que fica dentro de uma cadeia de montanhas, é como uma grande muralha que impede a passagem do som vinda de lugares mais distantes, externos, alheios. É uma cidade cujo isolamento acústico é digno de estudo. Porque quando estamos aqui, só escutamos aqui. Aqui dentro.
A rodovia – que jornalistas sempre se referem como a “via essencial que abastece a cidade”, independente da cidade, só que esse tipo de informação é totalmente desnecessária, e dá um sentido de imprescindível à rodovia, um sentido que evoca os sonhos kubitschekianos e de outros apreciadores do progresso, de transformar o país uma República das Quatro Rodas – passa no alto da cadeia de montanhas, sendo possível escutar, de vários ângulos diferentes, o som dos caminhões carregados de soja, cana e gado que seguem numa eterna procissão, dessas de semana santa, em que as mulheres de véu preto cantam, em latim, pela alma de Jesus. A minha avó cantava nessa banda. Eu gostava muito quando ela vocalizava a dor de Maria Madalena assim, na frente de todo mundo. Minha avó. Ela era ótima.
Voltando ao presente. O som dos meus ossos da nuca, estalando, pedindo descanso depois de um dia de trabalho físico. A minha respiração afetada pelo glifosato que insistem em usar na pousada ecológica e no qual o meu corpo insiste em continuar repelindo.
O som dos caminhões abarrotados, subindo a montanha usando a marcha mais forte, forçando o motor, fazendo os caminhões respirarem mais pesado, como roncos de monstros que caminham adormecidos. Sai mais fumaça dos escapamentos, também trabalhando à força.
O som dos caminhões. Vou dormir em breve. Eu acho que não ronco quando durmo ao som dos caminhões, dos galos.
Interrompo minha escrita. Escuto um barulho atípico, vindo dos fundos da casa, onde a bananeira farfalha suas folhas a qualquer brisa, e onde as vacas pastam, com os sons de passos lentos, compactos e pesados, e com as suas intermináveis ruminações, cuja mastigação fica evidente para quem não só se atém aos ruídos das folhas de bananeira conversando com o vento. O barulho atípico parece de alguém caindo do alto de alguma coisa, quebrando outras coisas que estão abaixo, como telhas ou vasos de cerâmica.
Nenhum som depois. A não ser das habituais mariposas e dos insetos se debatendo contra as folhas grossas do cajueiro.
Aqui, na minha introspecção sonora egocêntrica, em que me coloco no centro de um mundo rodeado por barulhos, como uma pedra, imóvel e muda, tentando realizar um trabalho da disciplina “Técnicas de Captação de Som”, da faculdade de cinema na qual estou prestes a abandonar, concluo que o barulho foi um sinal para eu parar com os devaneios, concluir o trabalho e voltar ao assunto. Independente de quem tenha mandado o sinal: um ladrão, um gato, um fantasma, o demônio, deus.
A questão é que não sou pedra. Prefiro me mover com os cacarejos e suas ondas dopplerianas. Estou indo, Goiás Velho. (Que minha avó chamava de Belo, assim, com B maiúsculo). Estar aqui foi umas das coisas mais interessantes que já me aconteceram. Obrigada. Para sempre.
1h55 da madrugada de domingo (28) para segunda (29) de abril de 2019.
*O título desse texto foi obviamente inspirado na música Cinco Minutos, do Jorge Ben Jor.
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Os galos cantam em ondas. De trás para frente. De frente para trás