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Estar doente é quase uma condição normal aqui no sistema capitalista. Nessa sociedade das doenças da alma, já tão normalizadas (quantos depressivos e ansiosos você conhece?), é essencial se atentar às doenças do corpo.
Não que “doença da alma” não seja doença do corpo. Quem disse que as coisas que acontecem na sua cabeça não são as coisas que acontecem no seu corpo? Afinal, seu cérebro faz parte do seu corpo, também. Cuidar do cérebro é também cuidar do corpo.
Pois bem. Existe outro cérebro no nosso organismo humano no qual poucos cuidam.
O intestino.
Somos aquilo que comemos. Isso daí quem disse foi Hipócrates, o pai da medicina ocidental, há 2419 anos. Tudo bem que os gregos foram os responsáveis pela diáspora entre corpo e mente, e isso influencia até hoje o nosso modo de viver ocidental.
Mas essa frase do Hipócrates é verdade absoluta.
Quando a gente come um monte de porcarias industrializadas, de produtos de agronegócio explorador da natureza, de sementes modificadas geneticamente para serem mais produtivas e menos nutritivas, de trabalho escravo das indústrias, de poluição atmosférica do transporte de cargas, a gente está comendo toda essa porcaria junto.
O intestino é responsável não só por digerir essa gororoba industrializada cheia de gorduras e transgênicos, como também todo esse processo maléfico que suporta a impiedosa e gananciosa indústria alimentícia.
O intestino é como um cérebro às avessas: ele é dotado de milhões de neurônios e tem relativamente poucas conexões com o sistema nervoso central. Ou seja, o intestino é um órgão que pensa sozinho.
Além disso, o intestino é o lugar do nosso corpo onde existem mais bactérias do que células do intestino. Aliás, temos mais células bacterianas no nosso intestino do que células humanas no nosso corpo inteiro.
Ou seja: somos mais feitos de bactérias do que de carne humana.
O intestino é muito importante. Por ter tantas terminações nervosas e estar quase desconectado do sistema nervoso central, ele funciona praticamente sozinho. Seu papel é parecido com o do cérebro.
Temos, portanto, dois cérebros. Um que está na cabeça, rosadinho, fofinho, todo iluminado e bondoso, responsável pelas nossas doenças mentais (ou você vai me dizer que não é essa a visão que você tem sobre você mesmo, esquerdopata fofinho que de vez em quando morre de ansiedade e chega à conclusão de que pegaria em armas pelo bem da humanidade?).
E outro cérebro que está na parte inferior da barriga, escuro, feio, irritável, magoável e grande responsável por nossas doenças físicas: o intestino.
O tubo digestivo tem mais influência sobre os nossos atos do que gostaríamos que tivesse. Ele funciona como um “cérebro do mau”. Mas só se a gente quiser que ele funcione assim. Só se a gente continuar agindo sem consciência do seu poder em influenciar o resto do nosso corpo (inclusive o cérebro rosadinho e fofo).
Tudo o que a gente come passa por ele. E se as paredes do intestino não cumprem a sua função de filtrar apenas os nutrientes, algumas moléculas estranhas ao organismo passam por ela e nosso sistema imunológico entra em colapso, porque toda vez que comemos, ele precisa tentar expulsar aquelas moléculas estranhas. Daí vem as alergias. E depois as doenças autoimunes (causadas pelo colapso do sistema imunológico estressado com tanta tarefa para cumprir).
O intestino é tão importante na nossa vida que ele é capaz de dividir a humanidade inteira em três grupos, dependendo dos sintomas que cada um apresenta: os enfezados, os cagões e os enjoados.
Os enfezados
Aposto que você já escutou essa: “aquele general tá sempre com uma cara de enfezado, né?”
A palava enfezado não está ligada, em sua origem, a fezes. Vem, segundo a etimologia, do latim infensātum, dando em infensado e finalmente em enfezado, e significa “de gênio temperamental, irascível”.
A coincidência fonética, no entanto, permite à gente dizer que os enfezados guardam a merda para si. Têm medo de cagar, de mostrar suas fraquezas. São desconfiados, nervosos, rancorosos e agressivos. Acham que todo mundo está prestes a fazer cagada com eles. Porque eles são muito “limpos”: nunca vão cagar em ninguém. Acham que não são capazes de cometer injustiças. Porque cagar é muito injusto. Fere os narizes de quem está por perto.
Guardam mágoa pela vida toda. Lembram de histórias tristes que aconteceram com elas e nunca esquecem de nada de ruim que aconteceu. São vitimizadas por elas mesmas e por isso sentem-se no direito de fazer justiça com as próprias mãos. É o grupo de pessoas que diz: “ai se fulano pisar no meu calo. Vai sofrer as consequências”. Essas pessoas adoram uma vingança.
Se soubessem que uma limpeza intestinal, ou seja, uma bela de uma caganeira, faria muito bem, já teriam perdoado a si mesmo e a toda a humanidade. Mas não. Seguem numa espiral eterna de desconforto e desconfiança.
Os cagões
Essas pessoas cagonas têm medo de serem atacadas. Elas estão se cagando de medo.
Elas se cagam tanto que, quando a doença fica mais aparente, precisam usar fraldas ou usar bolsas de colostomia. Ninguém segura a merda que passa direto pelo intestino. Não dá tempo de absorver os nutrientes e a pessoa sente-se cada vez mais fraca e mais frágil.
Por isso ela ataca antes mesmo de sofrer o ataque. Se ela tem poder, manda os seus subordinados para fazer o “trabalho sujo”. São a favor do porte de armas e das guerras por qualquer motivo.
Também gostam de se fazer de vítimas. Só que, diferente dos enfezados, os cagões adoram um drama. Parece que vivem numa novela. O maior desejo de um cagão é aparecer em público com cara de bosta. Para todo mundo ter dó dele, e todo mundo apoiá-lo em suas ações baseadas no seu sofrimento.
Os enjoados
São as pessoas que perderam o ânimo por quase tudo na vida. Recusam comer coisas só pelo fato de que “não gosto”. Mas nem sabem se gostam ou não, porque nunca provaram nada de diferente.
Acostumaram-se à vida padronizada e não gostam de mudanças. Se tomam lactose, têm caganeira. Se comem glúten, ficam constipados. Então comem todas as comidas seguras que é para não ter problemas.
Passam muito tempo reclamando. São enjoados, mesmo. Nessa categoria eu coloco como exemplo a galera da esquerda que “ain, não gosto dessas atitudes”, “ain, isso é politicamente incorreto”, “ain, vou sair do Brasil, vou me-auto-exilar”. Uma galera que ainda não conseguiu digerir “tudo isso que está aí”.
O enjoado adora dizer não.
Se você está enjoado da vida, da sociedade, precisa se livrar dessa sobrecarga no sistema digestório e tomar uns chás de boldo. Se curte uma farmacinha, tem uns remedinhos bons. Porque senão você não vai sobreviver. Vai morrer de cirrose, dizendo porcarias como “o Brasil me obriga a beber”.
A gente bebe porque gosta. Inclusive leite. Ninguém é obrigado a nada.
Enfim. Isso tudo é para dizer que: você preocupa-se com “tudo isso que está aí”? Quer se salvar? Quer salvar seus queridos? Quer salvar o mundo inteiro? Quer se manter são no meio dessa conjuntura bizarra?
Então cuide do seu intestino. Para que você não seja um cagão, e muito menos um enfezado. E ainda menos um enjoado. E também entenda: ninguém vai salvar o mundo inteiro se não começar a se salvar antes.
Então vamos nos cuidar, tá bem? Comer bem e cagar direitinho. Se o seu fígado vai mal, descanse. Fique uns dias sem álcool e comida cheia de gordura. Tente digerir os assuntos e entender melhor as conjunturas. Os fatos nunca acontecem isolados. Inclusive os fatos que acontecem nos nossos corpos. As doenças que temos não acontecem do nada. Sempre há motivos, e muitas vezes é preciso pensar muito no assunto para entender o que te fez ficar doente. Nosso corpo é a nossa maravilha, a única coisa que temos (né, comunista?) e precisamos cuidar muito bem dele. Ou senão não tem luta. Tem morte.
(Alguns dados desse texto foram extraídos dos livros “Lugar de Médico é na Cozinha”, de Alberto Peribanez Gonzalez, e “Doenças Autoimunes”, de Amy Myers).