A jornalista Laura Mattos, colunista de educação do jornal Folha de S. Paulo, lança o livro Herói Mutilado – Roque Santeiro e os bastidores da censura à TV na ditadura (Companhia das Letras, R$94,90), que conta a história da novela de grande sucesso Roque Santeiro, do dramaturgo Dias Gomes. O livro percorre o caminho dos três momentos em que a obra foi censurada no Brasil: como peça teatral chamada Berço do Herói em 1965, quando novela em 1975 e, finalmente, exibida em 1985 na rede Globo, porém com cerca de 600 paginas subtraídas.
Em entrevista a Opera Mundi, a jornalista e mestre em comunicação social pela USP afirmou que seu livro “reconstitui” a história da censura e da ditadura através de Roque Santeiro. A obra de Dias Gomes, escrita em 1963, discutia a “necessidade de se acreditar em mitos”, segundo a autora.
Ainda no ano 1965, quando o diretor Antônio Abujamra fez uma “montagem provocativa” da peça Berço do Herói, a perseguição da ditadura civil militar à cultura já eram sensíveis, apenas um ano depois do golpe de 1964. Embora o texto da obra tivesse sido aprovado, a peça foi proibida após a visita do departamento de censura ao ensaio.
“Naquele momento, a censura não estava concentrada em Brasília, estava distribuída nos estados, eles estavam começando a montar a estrutura nacional de ligar ao Planalto à censura como ferramenta mais direta de controle”, disse.
Em 1975, a obra foi impedida de estrear como novela na TV, algo que até então nunca ocorrera. A jornalista explica que a a aprovação das novelas era feita a partir das sinopses enviadas pela rede de TV. No caso de Roque Santeiro o Departamento de Censura pediu também alguns capítulos com antecedência. Inicialmente, “os episódios foram aprovados para serem exibidos às 20h”, disse, “mas, na véspera [da estreia] eles falam que é para às 22h”. E o que significava exigir que fosse exibido às 22h e não às 20h? “Significava inviabilizar a estreia dessa novela”, diz Mattos pois, na grade da emissora, às 22h, já estava sendo exibida a novela Gabriela, inspirada na obra de Jorge Amado.
Reprodução
Livro percorre o caminho dos três momentos em que a obra foi censurada no Brasil
“Os mesmos censores mudam assim, de forma absurda e injustificada, porque os episódios gravados são os mesmos do roteiro, que eles haviam liberado”, diz a autora.
Mattos diz que, com o fim da ditadura militar em 1985, a rede Globo decidiu retomar o projeto de Roque Santeiro como “o símbolo da volta da liberdade de expressão”.
Em 24 de junho de 1985, já no governo de José Sarney – primeiro presidente civil após o regime militar – , a novela estreou com “a maior audiência da história da televisão”. No entanto, narra Mattos em seu livro, mesmo sob um governo civil, a novela começou a ser censurada e teve quase 600 páginas do roteiro cortadas.
“É uma demonstração de como a censura permanece em períodos democráticos e de que forma ela permanece. E de como na redemocratização os mecanismos de repressão não tinham sido desmontados”, afirma Mattos.
A autora estreou neste ano como colunista na seção de educação na Folha. Mattos, que já foi editora e gastronomia, tecnologia e dos cadernos Turismo e Folhinha., também produz reportagens especiais.
Censura na Bienal do Livro
Mattos usou o exemplo de Roque Santeiro como referência para “pensar” no episódio em que o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, mandou retirar um livro de história em quadrinhos que contém uma imagem de um beijo gay.
“A censura é sempre política. (…) [Crivella] estava defendendo a moral que ele prega para construir o poder dele. É a defesa da base política dele”, disse. A autora ainda apontou que a censura não acaba e que a “defesa da liberdade de expressão tem que ser um movimento contínuo, estar sempre em alerta”.
Serviço
Lançamento: Herói Mutilado – Roque Santeiro e os bastidores da censura à TV na ditadura
Data: 22/10/2019 às 19h
Livraria da Vila – Alameda Lorena, 1731 – São Paulo