O resultado das eleições presidenciais na Argentina que deram vitória a Javier Milei, um ultradireitista, do partido A Liberdade Avança, abalou os feminismos e outros movimentos sociais do país. Ainda percorrendo um longo caminho pelos direitos, as novas definições despertaram ainda mais preocupação aos grupos de minorias políticas pela possibilidade de retrocesso para tudo o que já foi conquistado.
A eliminação do Ministério da Mulher, Gênero e Diversidade e a intenção de “construir maiorias” para revogar a lei da Interrupção Voluntária da Gravidez, anunciada pelo cientista político Agustín Laje (um dos principais ideólogos da extrema direita do país, conhecido por se opor aos direitos das minorias sexuais e dos feminismos) são as principais ameaças do governo que será oficializado em 10 de dezembro.
‘É muito duro, mas já nos recuperamos das derrotas eleitorais’
“Já anunciaram que as medidas serão drásticas e chocantes, por isso, do ponto de vista econômico, laboral e social, o que está por vir é bem complicado. Mas no quesito dos direitos conquistados pelas mulheres e pelos grupos de diversidade, não será tão fácil assim retroceder, uma vez que, além da organização popular, social e da capacidade de mobilização, também temos espaços governamentais, como a província de Buenos Aires. Aires, onde existe um forte compromisso do Governador Axel Kicillof com o Estado atual. Estamos de luto pelo ocorrido, obviamente é um golpe muito forte, muito duro, mas já nos recuperamos das derrotas eleitorais”, afirmou ao jornal Página 12 a ministra das Mulheres, Políticas de Gênero e Diversidade Sexual de Buenos Aires, Estela Diaz. Ela ainda reforçou a necessidade de “reunir forças, reflexão, espaço, militância” para “recuperar os espaços de participação, especialmente aqueles que dialogam mais em cada bairro”.
Para a historiadora feminista Dora Barrancos, é incompreensível o resultado eleitoral que fere os interesses comuns de um grande grupo de pessoas, ao exemplificar que os povos indígenas compraram os discursos da chapa, mesmo enquanto a vice-presidente Victoria Villarruel “se cansou de dizer que iria revogar a lei que protegia o domínio indígena”. Segundo Barrancos, o encerramento do MMGYD também “terá repercussões internacionais”.
Já a diretora executiva da Anistia Internacional Argentina, Mariela Belsky, disse que “ao nível dos direitos humanos, dos direitos das mulheres e das diversidades, a questão é enorme”. Uma das políticas mais “duvidosas” apresentadas durante a campanha eleitoral do LLA foi com relação à Educação Sexual Integral (ESI), em que se propõe eliminar sua obrigação, apesar dela estar constitucionalmente contemplada em lei aprovada pelo Congresso em 2006. Laje é, inclusive, uma das figuras que têm classificado o programa como “ideológico”. No entanto, Belsky afirma que o conteúdo da ESI ajudou crianças e adolescentes a conseguirem identificar e denunciar casos de abuso sexual infantil em vários pontos do país, como Buenos Aires, Santa Fé, Rio Negro e Região Autônoma.
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Resultado eleitoral que deu vitória a Javier Milei preocupa minorias políticas da Argentina
Lei do aborto
O aborto legal também tem sido uma questão debatida e repreendida pelo partido ultraliberal. “Uma lei pela qual não só a Anistia Internacional fez campanha”, afirmou Belsky, acrescentando que desde a promulgação da mesma, o sistema de saúde público garantiu mais de 170 mil interrupções voluntárias e legais da gravidez em todo o país, sendo que as mortes maternas diminuíram de 23 em 2020, para 13 em 2021. A missão, no entanto, é ampliar a medida para que a taxa de fatalidade seja zerada.
Sobre a violência contra as mulheres, Belsky detalhou que “em 2022, registou-se um feminicídio a cada 35 horas e 76% das 252 mortes ocorreram em contextos de violência doméstica – e pelo menos 17% das vítimas fizeram queixas formais ”.
A maior parte do orçamento do MMGYD foi destinada ao Programa Acompañar, que tem como objetivo fortalecer a independência econômica das mulheres e LGBTI+ em situações de violência de gênero. Segundo os dados oficiais, até novembro deste ano, foram investidos mais de 100.853.242.000 pesos argentinos (o equivalente a quase 1,4 bilhões de reais) para 352.385 beneficiários do programa, que concede um subsídio durante seis meses.
Direitos das minorias políticas
Soledad Deza, uma advogada do grupo Mujeres x Mujeres, de Tucumán, considerou a necessidade de entender o motivo pelo qual as promessas do LLA, que violam os direitos humanos, conquistaram a maioria da população. “Parece-me que quando há pobreza e as pessoas não têm soluções, é mais fácil aceitar cenários cruéis ou deixar-se encantar por cobras. Algo falhou, é hora de reorganizar nossos feminismos.”
“A campanha do LLA prometeu especialmente a desigualdade de gênero. Prevejo que vão tentar reverter essas leis no Congresso, embora não creia que as suas alianças políticas permitam. No meio das leis e dos direitos do povo estão as políticas públicas, aí acredito que vão procurar desfinanciar qualquer possibilidade de soberania sexual e estaremos resistindo porque nos querem subjugados, pobres e endividados. Como podemos pensar a liberdade sexual e reprodutiva de forma igualitária e justa sem um Ministério da Saúde que garanta o abastecimento?”, questionou Deza.
Do coletivo La Revuelta, de Neuquén, Ruth Zurbriggen ficou perplexa com o triunfo de Milei ao afirmar que a população está em um “mundo distópico”, e falou das consequências negativas das políticas de privatização apresentadas pelo governo eleito.
“Reduzir a presença do Estado à sua expressão mínima terá consequências imediatas para aqueles de nós que mais utilizamos os serviços do Estado, como a saúde e a educação públicas, os subsídios aos serviços e o acesso à habitação. Cuidar de crianças e idosos exigirá mais tempo e mais trabalho”, concluiu Zurbriggen.