O presidente eleito da Argentina, Javier Milei, vai enfrentar dificuldades enormes para governar o país. E, tendo como ponto de partida a história recente do país, existe uma chance considerável de que não tenha sucesso e sequer consiga concluir o mandato que começa no dia 10 de dezembro. É a opinião de Carlos Vidigal, professor de história da UnB e estudioso da Argentina, em entrevista ao Brasil de Fato após a divulgação do resultado eleitoral.
As dificuldades do novo presidente, segundo ele, estarão concentradas em quatro aspectos: programas sociais, salários, inflação e dívida externa. Quanto aos dois primeiros itens, Vidigal vê uma lógica semelhante: o governo precisa tentar recompor os valores deteriorados em razão da inflação, o que no atual momento econômico, será “extremamente difícil”, assim como a geração de empregos, “que é algo que no momento sequer está no horizonte”.
Por sua vez, as razões dessas dificuldades no plano social são principalmente a inflação e a dívida externa. “Para enfrentar a inflação, não basta uma equipe econômica competente. É necessário um acordo político semelhante ao que ocorreu em outros países, como por exemplo, no caso do Brasil, na época do Fernando Henrique Cardoso, uma grande concertação política com os setores empresariais”.
Em relação à dívida, diz Vidigal, o governo “talvez até tenha maior facilidade para dialogar com o Fundo Monetário Internacional e com o governo de Washington, mas há um custo político muito grande que seria o seu discurso de extrema direita, uma vez que o (Joe) Biden é o presidente dos EUA e o discurso do Milei é muito semelhante ao do Donald Trump. Então, talvez esse seja o maior desafio internacional que tem repercussões políticas internas muito sérias”.
O professor da UnB acha que, se a perspectiva para o governo Milei for analisada à luz da história recente, provavelmente haverá fracasso na construção de maioria parlamentar. “Os liberais têm mostrado dificuldade enorme no sentido da construção de consensos básicos e creio que o governo Macri (2015-2019) é um excelente exemplo do fracasso dos liberais no governo. A oposição peronista poderá levar a greves e manifestações e, se houver demora muito grande no combate à inflação, provavelmente teremos um enfraquecimento precoce do governo, daí tenho dúvidas quanto à conclusão do mandato”.
Unión por la Patria/Twitter
Passado o choque pela derrota acachapante, argentinos saberão unir forças para a resistência, confia o presidente do PSOL
Unidade contra a extrema direita
O Brasil de Fato também ouviu Juliano Medeiros, presidente nacional do PSOL, sobre as razões que levaram à derrota de Massa e o que esperar da resistência progressista daqui em diante.
“A Argentina tem uma tradição de luta e mobilização político muito intensa. Imagino que as forças democráticas, populares vão sentar à mesa para organizar a resistência porque tem consciência, especialmente a partir das experiências do Brasil e dos Estados Unidos, do que significa um governo de extrema direita. Então, estou confiante de que vai haver um esforço de unidade”.
Medeiros acha que foi um erro da coalizão peronista, União pela Pátria, fazer um campanha mais ao centro, moderada, a partir do cálculo político de que, uma vez que já se conta com os votos dos eleitores de esquerda, é preciso conquistar os de centro. “Isso mostra uma incompreensão do que se tornaram os processos políticos na América Latina. Estão sendo marcados por polarização e quem não polariza, quem não vai pra cima, quem não mostra com clareza suas ideias, acaba tendo mais dificuldade de conquistar a confiança dos eleitores. Basta ver a campanha do presidente Lula em 2022, que foi muito mais combativa do que campanhas anteriores dele. Foi uma opção que agora está cobrando um preço, junto com a crise econômica e política, e levando a Argentina a esse desastre”.
O presidente do PSOL conta que chamou a atenção dele o fato de que, nas reuniões com integrantes da campanha de Massa, eles terem demostrando interesse na campanha presidencial brasileira de 2022, e não na de 2018, quando a esquerda perdeu e Jair Bolsonaro levou a extrema direita ao poder.
“Poucas pessoas olharam para a nossa campanha de 2018, que foi uma derrota. Só que a Argentina está mais parecida com o Brasil de 2018, imersa numa crise política, econômica e social, do que com o Brasil de 2022. Não estou aqui para julgar os erros e acertos, mas me parece que houve uma dificuldade de compreender o que estava acontecendo.”