A Rússia homenageou neste domingo (21/01) os 100 anos da morte do revolucionário Vladimir Ilitch Lenin, criador do primeiro Estado socialista da história mundial – a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). As comemorações se restringiram a atos do Partido Comunista da Federação Russa (KRPF, na sigla em russo) na capital Moscou.
Militantes da sigla e demais agremiações de esquerda visitaram o corpo do principal dirigente da Revolução Russa de 1917, embalsamado e mantido em mausoléu no centro de Moscou. Apesar de polêmicas, os russos mantêm visão positiva de Lenin e mais da metade aceita mantê-lo embalsamado na Praça Vermelha.
Em um dia ensolarado, mas com termômetros marcando -12ºC, membros da juventude do partido – os chamados Komsolmols – adentraram a Praça Vermelha entoando o seu tradicional slogan: “Lenin é o Partido!”.
Sob forte esquema de segurança, o líder do Partido Comunista, Gennady Zyuganov, colocou cravos vermelhos na porta do Mausoléu e visitou a necrópole da Muralha do Kremlin, onde estão enterrados líderes políticos como Josef Stalin e Leonid Brejnev, o escritor soviético Maksim Gorki e o cosmonauta Iuri Gagarin.
“Lenin se foi para um outro mundo, mas permaneceu para sempre junto com a humanidade, para a qual ele tentou, pela primeira vez no planeta Terra, construir um novo mundo em que o trabalho governasse, e não o capital”, disse Zyuganov, conforme reportou a agência de notícias russa RIA Novosti.
Na cidade natal de Lênin, hoje chamada Ulianovsk em sua homenagem (o nome de batismo do revolucionário era Vladmir Ilich Ulianov), foi celebrada a abertura da exposição “Lênin, o nascimento de uma imagem”, com jornais, revistas e livros com a temática leninista -incluindo novos documentos coletados pela curadoria do Museu Histórico do Estado russo e do Arquivo Estatal Russo de História Sócio-Política.
“Lênin foi o político mais relevante do século 20”, escreveu o deputado e representante do Partido Comunista no evento, Yuri Afonin, na rede social russa Dzen. “Ele continua atual, afinal, ainda é alvo de agressão de regimes fascistas e protofascistas em países como Ucrânia, países Bálticos e alguns da Europa do Leste, que retiram os monumentos em homenagem a ele e querem apaga-lo da história”, disse.
Em São Petersburgo, membros do Partido Comunista russo e trabalhadores da fábrica de Izhorsky, que teve papel ativo no processo revolucionário, se reuniram na estátua de Lênin instalada na estação férrea para oferecer coroa de flores e prestar homenagem ao líder.
Líder do Partido Comunista da Rússia, Gennady Zyuganov (quarto a partir da direita), se dirige ao Mausoléu de Lenin para prestar homenagens, 21 de janeiro, Moscou, Rússia.
Juventude do Partido Comunista russo entra na Praça Vermelha rumo ao Mausoléu do Lenin para prestar homenagens, 21 de janeiro de 2024, Moscou, Rússia.
Apesar de ainda estar representado na praça central de toda cidade, a figura de Lenin sofre uma reinterpretação na Rússia moderna. Decisões do líder bolchevique acerca da estruturação do Estado soviético são apontadas como a origem dos atuais contenciosos fronteiriços entre os países da região.
Um dos principais críticos do legado de Lenin é o atual presidente da Federação Russa, Vladimir Putin. Para ele, o líder bolchevique errou ao redesenhar o mapa do antigo Império Russo de acordo com sua representação étnica e ao conceder a essas novas unidades territoriais o direito de secessão da União Soviética.
De acordo com Putin, dentre as unidades territoriais criadas de maneira artificial por Lenin está a Ucrânia. Durante discurso à nação em 2022, o líder russo declarou que a criação do Estado ucraniano é resultado das “políticas bolcheviques”, das quais o líder da Revolução Russa era o principal arquiteto.
Ana Lívia Esteves
Militantes do Partido Comunista da Rússia se reúnem na frente da Praça Vermelha para prestar homenagens a Lenin
A figura de Lenin na Rússia
Mesmo com o ceticismo do atual chefe de Estado, 47% dos russos declaram ter uma visão positiva do líder revolucionário, revelou uma pesquisa de opinião realizada pelo Centro russo para o estudo da opinião pública (VTsIOM, na sigla em russo), publicada na sexta-feira (19/01). Somente 7% dos russos expressaram visão totalmente negativa de Lenin, caracterizando-o como “destruidor do Império Russo” (3%) ou ainda “espião alemão” (2%).
Para 36% dos entrevistados, as políticas de Lenin trouxeram resultados positivos para Rússia, enquanto 20% acreditam que sua influência foi negativa -um aumento de 1% em relação à mesma pesquisa do ano passado.
Os apoiadores de Lenin estão concentrados nas gerações mais velhas (64%) e nos moradores da zona rural (63%), o que coloca em dúvida a permanência do líder como figura de relevo na política russa no médio e longo prazo. A percepção positiva dos russos em relação ao bolchevique, no entanto, nem sempre se refletem em mais votos para o Partido Comunista da Rússia, que se prepara para as eleições presidenciais de março de 2024.
O líder histórico do partido, Zyuganov, cedeu sua tradicional nomeação como candidato comunista para o deputado comunista da Duma Nikolay Kharitonov- que esteve presente na homenagem a Lenin na Praça Vermelha neste domingo. Seu programa de governo, apresentado na quinta-feira (18/01), declara que a Rússia não obteve ganhos com a transição para o capitalismo e propõe a nacionalização da indústria mineradora do país.
Apesar de continuarem como a segunda principal força política da Rússia -atrás somente do partido de Putin, a “Rússia Unida-, os comunistas amargaram um de seus piores resultados nas eleições regionais de setembro de 2023. A recuperação do partido liberal (LDPR, na sigla em russo) e ascensão de novas frações patrióticas, como o partido “Rússia Justa- pela verdade”, exigirão novas estratégias por parte dos herdeiros de Lenin.
Mas tudo indica que os russos são benevolentes tanto com o Partido Comunista, quanto com o Vladimir Ilich. Quando perguntados se o corpo embalsamado do líder da revolução deveria ser retirado da Praça Vermelha, 55% disseram que o assunto não é urgente, e 27% acreditam que a nação deve manter Lenin no mausoléu, enquanto membros das gerações mais velhas ainda estiverem entre nós.
Praça Vermelha fechada para visitantes antes das homenagens do Partido Comunista russo ao líder Vladimir Lenin, em 21 de janeiro de 2024, Moscou, Rússia.
Militantes do Partido Comunista da Rússia e outras agremiações de esquerda se reúnem na frente da Praça Vermelha para prestar homenagens a Vladimir Lenin, em 21 de janeiro de 2024, Moscou, Rússia
(*) Ana Livia Esteves é correspondente da Sputink Brasil em Moscou.