“Não é exagero afirmar que as perspectivas hoje para a Rússia são até melhores quando comparadas ao início da guerra na Ucrânia”, analisou a geógrafa Iole Ilíada a Opera Mundi sobre o desempenho de Moscou em sua operação especial militar que completa dois anos de conflito neste sábado (24/02).
Mesmo considerando a extensão inesperada do conflito, iniciado em 2022, a especialista avaliou que a Rússia tem um relativo controle sobre os eventos no Donbass – o principal foco de combate e domínio de território entre Kiev e Moscou.
Atualmente, o Exército russo ocupa parte significativa das quatro províncias com forte presença de população de origem russa – Donetsk, Lugansk, Zaporizhia e Kherson -, em conquistas realizadas ainda em 2022, ano em que a guerra começou. Ilíada ressaltou que nesses distritos foram organizados referendos com resultados a favor da incorporação à Federação Russa.
Apesar ainda das perdas militares, menores que as ucranianas, e as consequentes sanções ocidentais em rechaço ao conflito, a especialista aponta que “ao contrário do que muitos imaginavam, e grande parte do Ocidente torcia, nem a Rússia se enfraqueceu economicamente e nem [presidente da Rússia, Vladimir] Putin sofreu abalos em sua popularidade interna”.
Mesmo reconhecendo que não é possível prever o desfecho da guerra, em especial porque a Rússia precisa “consolidar e estabilizar a situação dos territórios no campo das operações bélicas”, Ilíada disse que as perspectivas do país para o futuro do conflito são positivas, uma vez que a “moral das tropas” está elevada.
Tal sentimento do Exército russo decorre em especial da recente vitória no distrito de Avdiivka, em Donetsk. Ilíada lembrou que o avanço foi importante por ser o primeiro desde a tomada de Bakhmut, conquistada pelo Grupo Wagner em maio de 2023.
“Antes disso, havia uma espécie de 'impasse estratégico' no campo de batalha, no qual a Ucrânia pouco avançava na sua proclamada contraofensiva, e a Rússia impedia esses avanços, sem no entanto ganhar terreno significativamente”, explicou.
A perda do território por parte do Exército da Ucrânia – em uma movimentação classificada como “retirada caótica” de soldados pelo jornal norte-americano The New York Times – “somada à massiva perda de homens, armas e equipamentos, em uma velocidade que o Ocidente não tem logrado repor à altura, apontam para condições cada vez mais difíceis para que os ucranianos prolonguem o conflito”.
MFA Russia/Twitter
Iole Ilíada afirmou que o presidente russo, Vladimir Putin, mesmo com o conflito ainda em curso, está fortalecido
“Após a anunciada contraofensiva ucraniana não apresentar resultados, algo já admitido por todos os analistas sérios, não parece haver capacidade para que a Ucrânia reverta o quadro atual”, declarou ela a Opera Mundi.
Mesmo com o cenário negativo para a Ucrânia, a geógrafa analisou que a atuação de outros atores internacionais nesta guerra precisa ser considerada, como os Estados Unidos na perda de sua hegemonia e tentativa de fortalecimento da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).
“Em contextos assim, invariavelmente aquele que perde poder tentará mantê-lo ou recuperá-lo a todo custo. Isso explica a insistência dos EUA em ampliar a OTAN e isolar a Rússia. Não podemos esquecer que essa é uma “proxy war” [guerra com o uso de um intermediário]. Portanto, é preciso saber como se comportarão os países que munem a Ucrânia”, afirmou
“De todo modo, embora isso seja em grande medida especulativo, é possível dizer que o fim da guerra parece mais próximo hoje do que há um ano”, disse.
A guerra culminará no fim dos governos de Putin e Zelensky?
Segundo o calendário eleitoral de Ucrânia e Rússia, ambos países têm eleições presidenciais neste ano. Moscou agendou seu pleito para 17 de março, já Kiev adiou sua disputa sem fixar uma data futura, sob a alegação de que não há possibilidades de realizá-la enquanto a guerra acontece.
A manobra política do presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, aponta para a instabilidade de seu governo e sua tentativa de se manter no poder. “Caso a perda da guerra se torne evidente, ficará caracterizado que ele conduziu o país a uma aventura e será difícil para ele se sustentar no governo”, avaliou Ilíada.
Por sua vez, a especialista afirma que Putin, mesmo com o conflito ainda em curso, está fortalecido.
“Pesa a seu favor o sentimento nacionalista russo, que cresceu depois que o Ocidente tentou isolar e humilhar a Rússia – adotando sanções de todo tipo, inclusive nos âmbitos cultural e esportivo – e se fortaleceu ainda mais com os sucessos obtidos até o momento no terreno das operações de guerra. Lembremos que Putin sabe, como poucos, encarnar esse sentimento”, concluiu.