Parte 2: Travessia
Todos os dias, com ou sem crise, precisamos de um sentido que nos faça levantar da cama, escovar os dentes, tomar um café, caminhar até onde quer que seja…
Até um trabalho, um bar, um lugar que nos mostre que a vida segue, apesar de tudo.
Atravessamos muitas ruas, algumas que não nos damos conta. Pegamos ônibus, paramos em lojas e, mesmo que não compremos nada, entramos, porque o que importa talvez não seja comprar, mas ver e pensar que um dia poderemos comprar.
Enxergo no cotidiano um universo rico de significados e a fotografia que apresento quer mostrar os pequenos e banais eventos do dia-a-dia, construindo uma narrativa visual que dialoga com o contexto social atual da Venezuela: a aparente normalidade e a sensação de que o pior pode acontecer a qualquer momento, seja uma intervenção externa, seja uma guerra interna, falta de comida e serviços essenciais.
Há uma aparente paz em Caracas, nesse momento: os mercados estão abastecidos, os serviços de transporte têm funcionado, ainda que, uma vez ou outra, para não dizer diariamente, falte energia elétrica e água em muitas regiões da cidade. Eu estive hospedada em uma casa, localizada próxima ao centro, onde por cinco dias consecutivos tiveram os famosos “apagões”, mas, no mesmo dia, várias zonas de Caracas não sofreram tal impacto.
Há dias em que o frango está acessível, outros dias…comer ovos é um luxo. Há dias em que se ouve no rádio que há um risco de intervenção militar externa, no outro dia o governo afirma que está trabalhando para fazer um acordo de paz com a oposição. É uma linha tênue. E a vida segue, apesar de tudo.
América Latina: Um povo sem pernas, mas que caminha. Centro de Caracas
Ruas do centro de Caracas
Ruas do bairro La Pastora, o primeiro bairro de Caracas
Amanda Cotrim
Fotógrafa foi à capital venezuelana movida pela vontade de retratar o cotidiano da cidade