Atualizada em 18/04/2018 às 11:00
A brutalidade com que a ditadura civil-militar brasileira perseguiu movimentos populares e partidos políticos de oposição obrigou organizações legais a migrar para a clandestinidade, onde, aos poucos, seus membros foram presos, mortos, exilados e desmobilizados. Em meados dos anos 1970, os focos da luta armada haviam sido derrotados pelas forças de repressão e as poucas frentes de resistência à ditadura não possuíam o vigor necessário para enfrentá-la. Nesse contexto, surgia um jornal de oposição, dentro da legalidade, com firma aberta, funcionários registrados em carteira e sucesso editorial enquanto durou: o Opinião.
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Fundado em 1972, no Rio de Janeiro, o Opinião nasceu com uma equipe de jornalistas jovens, mas experientes, oriundos de outras vivências na imprensa alternativa e trabalhos em grandes jornais. O jornal foi criado pelo empresário Fernando Gasparian, peça fundamental para tornar o Opinião financeiramente possível.
Perseguido durante a ditadura por suas ligações com o ex-presidente João Goulart, derrubado pelos militares, Gasparian se exilou em Londres. Na capital britânica, por intermédio do jornalista Bernardo Kucinski, entrou em contato com outro jornalista – Raimundo Pereira – para, juntos, levarem adiante a ideia de um semanário legal, de oposição aos militares.
Pereira, jornalista experiente que já havia trabalhado no jornal alternativo Amanhã, havia recentemente se demitido de seu emprego na revista Veja e, após algumas divergências com Gasparian, aceitou trabalhar no jornal do empresário.
“Tivemos lá um ‘pendenga’ com o Gasparian porque ele queria um semanário mais intelectualizado e nós queríamos fazer um jornal mais popular”, conta Pereira. Segundo o jornalista, o empresário cedeu e o Opinião se tornou um jornal com público amplo.
Colega de Pereira na experiência do jornal Amanhã, Tonico Ferreira se juntou à equipe do Opinião logo no início do semanário.
Le Monde e intelectuais
Além do enorme talento dos jornalistas, a influência de Gasparian também foi fundamental para o sucesso da publicação. O empresário conseguiu que o Opinião publicasse a edição semanal em português do jornal francês Le Monde, e levasse no cabeçalho um selo com o logotipo do periódico.
“Isso deu muita credibilidade ao jornal, até diante dos militares, que entenderam que não éramos amadores”, conta Ferreira. Além do Le Monde, o Opinião publicava matérias de outros jornais internacionais como o britânico The Guardian e os norte-americanos Washington Post e New York Review of Books.
Outro fator que auxiliou no crescimento editorial do jornal foram as colaborações de intelectuais brasileiros. Nomes como Antônio Cândido, Celso Furtado, Antonio Callado, Darcy Ribeiro e Fernando Henrique Cardoso escreviam artigos para o jornal e, segundo Pereira, “mantinham uma chama democrática acesa dentro da legalidade”. “A publicação foi um sucesso tremendo e, em menos de meio ano depois, ela estava vendendo perto do que vendia Veja em banca”, lembra o jornalista.
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Uma capa, uma surra
Após nove números e grande sucesso editorial, a censura voltou seus olhos para o Opinião e, daí em diante, o semanário sofreria duros golpes do regime. Num primeiro momento, a censura na redação incomodava os jornalistas que, com astúcia, tentavam driblar os censores e convencê-los num diálogo rotineiro e, ao mesmo tempo, difícil. O artista plástico Elifas Andreato, desenhista do jornal e autor de inúmeras capas, lembra a difícil relação com os censores dentro da redação e diz que “achava interessante tentar aproximação com eles, envolvê-los no trabalho que a gente fazia”.
Como tentativa de dar aos leitores a dimensão da atuação da censura, os jornalistas cobriam algumas matérias censuradas com um quadro negro, que levava apenas a mensagem “Leia e assine Opinião”. “Claro que não cobríamos todas as matérias que tinham sido alteradas. Senão, o jornal seria todo negro”, explica Ferreira.
“Esse conflito interno com os censores causou grandes embaraços e, às vezes, prisões, ameaças de tortura, espancamento”, conta Andreato, que apanhou de um agente da censura no pátio da gráfica onde o Opinião era impresso por conta de uma capa que trazia um desenho de Dom Paulo Evaristo Arns todo em vermelho. “Quando ele viu a capa, não quis ouvir explicações e já foi logo me batendo”, diz o artista.
A capa com Arns, que fez com que Elifas apanhasse, era uma tentativa de cobrir o assassinato do estudante da USP Alexandre Vannuchi, em março de 1973. Segundo Pereira, “não se podia falar no nome no Vannuchi, e nós fizemos uma cobertura inteligente, porque publicamos o comunicado da polícia sobre o aparente suicídio do estudante no meio de uma história de uma estudante que tinha morrido, sem mencionar o nome dele, mas com um monte de indicações”. Neste episódio, Pereira foi detido e levado para interrogatório. “Durante o depoimento, me perguntaram: ‘o que é isso aqui? Como saiu isso?’. E eu disse que era a história do Vannuchi e que a edição havia sido liberada pela censura, não tinha mais saída para eles”, conta Pereira.
Reprodução
“Claro que não cobríamos todas as matérias que tinham sido censuradas, pois o jornal seria todo negro”, explica Tonico Ferreira
Censura em Brasília, o fim
Após a matéria sobre Vannuchi, a censura contra o jornal Opinião se tornou mais rigorosa. As edições precisavam fechar às quartas-feiras, para dar tempo de serem enviadas a Brasília, onde sofreriam censura. Voltavam ao Rio na sexta-feira, para serem alteradas de acordo com o que os militares mandavam, e impressas no sábado, quando a publicação chegava às bancas.
Ferreira era o responsável por levar e buscar o jornal na Polícia Federal, diretamente com os militares. “Certa vez, eles tinham cortado todas as matérias do jornal, deviam estar com raiva, pois não deixaram passar nada. Então o coronel de lá me disse, ‘agora, acho que vocês terão que fechar o jornal e pegar em armas, e nós iremos caçar vocês na clandestinidade’. Eu respondi: ‘não, senhor. Estou indo buscar mais matéria na redação para vocês censurarem’, pois era essa a nossa luta”, conta.
Para Raimundo Pereira, a censura feita em Brasília foi um dos fatores que contribuiu para o fim do jornal, pois “destruiu a atualidade do Opinião e acabou com qualquer possibilidade de recursos”. Andreato concorda e lembra como a censura na capital federal afetou financeiramente a publicação. “O jornal Opinião vivia da sua venda em banca e de assinaturas. Era a juventude que sustentava o jornal e, com a censura rígida, as vendas caíram muito”, disse..
Além da censura, brigas com Gasparian desgastaram a equipe de jornalistas, que tinha motivações políticas diferentes do dono do jornal. “É muito difícil saber agora se foi positivo ou negativo, se não poderíamos ter feito um acordo melhor e continuado com o jornal porque, depois que nós saímos, o jornal durou mais algum tempo e não conseguiu sobreviver”, conta Ferreira.
A saída da equipe de jornalistas que compunha a redação do Opinião em 1975 foi um duro folpe para o jornal, mas não impediu que ele continuasse circulando por mais dois anos. O último número do semanário chegou às bancas em 8 de abril de 1977, encerrando a história de uma publicação que resistiu às adversidades impostas pelo regime militar. Ferreira, Andreato e Pereira, que deixaram a redação em 1975, lançariam no mesmo ano o jornal Movimento, publicação que deixou sua marca na história da imprensa alternativa no Brasil.